quarta-feira, 11 de abril de 2012

OS MAIS POLÊMICOS REQUISITOS EDITALÍCIOS APLICÁVEIS AO PROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO: SUAS CONTROVÉRSIAS E ANÁLISES NO MUNDO JURÍDICO

OS MAIS POLÊMICOS REQUISITOS EDITALÍCIOS APLICÁVEIS AO PROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO: SUAS CONTROVÉSIAS E ANÁLISES NO MUNDO JURÍDICO I. INTRODUÇÃO Apresentaremos e comentaremos um rol de questões controvertidas, à luz de um exame não exaustivo , mas meramente exemplificativo, de decisões judiciais mais solidificadas acerca dos requisitos editalícios de admissão mais polêmicos que têm sido levados à contenda judicial. O provimento de cargo público é tema que se atrela à análise de outros tan­tos institutos dentro do estudo do Servidor Público, alguns dos quais a doutrina e a jurisprudência, em sua maioria, já pacificaram. Outros, contudo, têm-se tornado mais polémicos com o passar do tempo, como é o caso dos requisitos editalícios para abertura de concurso público. Isto pode ser explicado, em parte, pela própria característica da natureza humana, que está sempre inclinada na busca pelo novo, e na consequente aquisi­ção de novos hábitos, a exemplo do uso de tatuagem, cada vez mais comum, e do uso da prótese de silicone nos seios, tão em voga nos dias de hoje. Não raro, toda­via, estes novos hábitos têm desencadeado controvérsias no meio social e no mundo jurídico. Para os efeitos deste estudo, relacionando-se a aquisição de novos hábitos na vida social com o tema em foco, que são os requisitos aplicáveis ao provimento de cargo público, trazemos à baila questões que estão sendo levadas cada vez com mais frequência aos Tribunais, e que suscitam novas interpretações e pondera­ções dos aplicadores da lei. Trata-se de candidatos a cargos públicos os quais têm a investidura questio­nada administrativa e judicialmente em razão da existência de conflitos entre pré-requisitos editalícios e elementos de ordem pessoal, tais como o porte de tatua­gem ou a prótese de silicone. Além destes citados elementos, outros requisitos como a altura mínima e a investigação social do candidato também são requisitos que têm gerado polêmica no meio jurídico. II. A RELAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IMPESSOALIDADE, DA MORALIDADE E DA EFICIÊNCIA Cumpre ressaltar que a existência do cargo efetivo na Administração Pública, que se formaliza por meio do concurso público, é a forma mais expressiva da manifestação dos princípios da impessoalidade e da moralidade, pois permite a qualquer do povo, desde que preencha os requisitos indispensáveis descritos em edital, ingressar em seus quadros, bastando para tanto o alcance, com seus próprios méritos, da pontuação necessária à aprovação e do cumprimento dos requisitos que antecedem a nomeação. Ao realizar o concurso público, a Administração deve dispensar igualdade de tratamento aos interessados, não se vislumbrando nenhuma hipótese em que pessoas isoladas, ou grupo de pessoas, sejam privilegiadas e beneficiadas em prejuízo de outras, em homenagem ao princípio da impessoalidade. A aplicação desse princípio implica, implicitamente, na observância de outro princípio, que é o da isonomia, pois que não haverá impessoalidade da Administração Pública se outro for o fim alcançado se não o interesse público. Neste contexto, se o interesse de particulares estivesse sendo privilegiado, haveria nítida violação do interesse público. Por isso, a realização de concurso pública formaliza a aplicação de tais princípios simultaneamente. Já no que alude ao princípio da moralidade associado ao concurso público, este se expressará à medida que o administrador interagir com os administrados, aqui incluídos os concursandos, enfatizando os preceitos morais na lisura da aplicação de todo o procedimento avaliatório que abrange cada concurso. Ilustrando esta narrativa, pode-se trazer o exemplo do que ocorreu recentemente no concurso público para a Polícia Civil, quando foi descoberto a tentativa de fraude por parte de alguns candidatos, e houve o imediato cancelamento daquele exame, remarcando-se outro. A conduta da Administração Pública rendeu homenagem aos princípios da moralidade e da impessoalidade, pois ao preservar a igualdade de concorrência entre os candidatos, preservou implicitamente o interesse público, não permitindo a supremacia de interesses particulares sobre o público. Por fim, cabe lembrar que a efetiva aplicação do princípio da moralidade dentro da Administração Pública, em todas as suas condutas internas e externas, só se formalizará plenamente quando todos os administrados estiverem imbuídos do espírito público, ou, em outras palavras, destituídos de seus próprios interesses. Assim, pode-se concluir que o concurso público propicia à Administração os meios necessários para nomear os melhores candidatos dentre os aspirantes, garantindo um quadro de servidores intelectualmente qualificados, e em conseqüência, uma gestão competente e produtiva. A este propósito, importa trazer à tona outro princípio que norteia a Administração Pública, que é o princípio da eficiência, introduzida pela Emenda Constitucional 19/98, com a reforma do Estado. A introdução deste princípio teve como escopo conferir aos usuários dos serviços prestados pela Administração e seus delegados os mesmos direitos destes em relação à iniciativa privada, qual seja, obter a qualidade da execução de suas atividades, por meio de condutas eficazes e eficientes e de resultados positivos. Para tanto, é certo que a Administração deve se compor de agentes qualificados, qualificações estas compatíveis com o perfil de cada cargo, além da aplicação de métodos modernos, compatíveis com os aplicados na iniciativa privada, tentando mostrar superado o conceito de ineficiência que há anos recaía sobre os serviços do Estado. Daí a citada relação entre o concurso público e o princípio da eficiência, pois por meio deste procedimento probatório estará a Administração buscando se compor de agentes qualificados, segundo os critérios de avaliação aplicados e na busca de se adequar a um novo perfil de serviço público, onde o Estado e a iniciativa privada se equiparam na qualidade da presteza dos serviços que pretendem os usuários. III. OS REQUISITOS DE ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO Preliminarmente, cumpre ressaltar que a investidura do servidor no cargo público pressupõe requisitos legalmente elencados na Lei 8.112/90, tais como a nomeação (art. 82, I) e a posse (art. 12). Entretanto, embora a lei diga que a inves­tidura se dá com a posse, é certo que esta só se formaliza plenamente com o ato do exercício, previsto no art. 15 da aludida lei. Não obstante a exigência do exercício para configurar a investidura do servi­dor, asseveramos que a Corte Suprema tem manifesta posição no sentido de que a nomeação do servidor público e o ato de sua posse devem ser precedidos pela aprovação do concurso público, sob pena da posse ser desfeita. Trata-se da Súmula nfl 17 do STF: "Se ocorrer nomeação de servidor sem concurso público, pode ela ser desfeita antes da posse". Adentrando-nos na seara da aprovação de concurso público, enfatizamos que a sua plena realização, em tese, apenas se dá pelo esgotamento dos requisitos inseridos no edital de abertura. Neste sentido, cumpre-nos traçar a distinção entre os elementos de requisitos de inscrição e requisitos do cargo. III.1 REQUISITOS DE INSCRIÇÃO E REQUISITOS DE CARGO III.1.1- Requisitos de Inscrição Os requisitos de inscrição são meros procedimentos formais que se aplicam ao candidato quando da sua inscrição no concurso público. Entre eles estão o com­provante de pagamento do valor da inscrição descrito no edital, a exibição de documentos de identificação e suas respectivas cópias, quando exigidas, a even­tual procuração por aquele que estiver representando o candidato, assim como os outros que o edital determinar.1 III.1.2 Requisitos de cargo Já os requisitos de cargo, diferentemente, dizem respeito às qualificações que se exige para a investidura no cargo, as quais serão imprescindíveis para o candidato habilitado - sobretudo após a sua aprovação - quando este deverá apresentar tais comprovações, sob pena de não se encaixar na pretensão da Administração Pública no que tange ao provimento do cargo. Em suma, estes requisitos estão relacionados à própria natureza da função pública a que busca o candidato, e a sua especificação pressupõe um amparo legal, ou seja, a exigência contida no edital de abertura do concurso deve antes ser contemplada por lei. Portanto, não se trata - como pode parecer - de o edital criar requisitos a serem exigidos para a investidura do cargo que a Administração Pública visa dar provimento, mas sim de o edital tão somente reproduzir os requisitos estabeleci­dos em lei. Com efeito, se os requisitos exigidos para o cargo público forem descritos apenas no edital de abertura do concurso público, insurge a ofensa ao princípio da legalidade, pois que se estará utilizando forma inadequada e desprovida de ampa­ro legal para se estabelecer a existência de tais requisitos. Em outras palavras, é a lei que os define, e não o edital. III.1.3 Qual é o momento legal para se exigir o preenchimento dos requisitos de habilitação contidos no edital? No que tange ao momento legal para se exigir os requisitos contidos no edi­tal, os Tribunais têm se inclinado no sentido de que se caracteriza ilegalidade a exigência destes requisitos já no momento da inscrição do concurso. Tal exigên­cia, segundo o entendimento majoritário, deverá se dar no ato da posse, embora se registre a existência dos que entendam o contrário. III.1.3.1 Corrente que entende que é no ato da inscrição: Para estes, que entendem o contrário, o fato de a habilitação legal que se exige para o cargo ser exigida apenas no momento da posse, poderia conduzir a situações intoleráveis que ferissem o princípio da isonomia e da legalidade entre os participantes, princípios estes referenciais na Administração Pública quando se trata de ingresso em concurso público. A contrariedade a estes princípios, alegam eles, se daria pelo fato de que pre­tensos candidatos que não tivessem, no momento da inscrição, a devida habilita­ção exigida no edital e deixassem de se inscrever, pela estrita observância das regras editalícias, estariam em desvantagem perante os que, em situação idênti­ca, se inscrevem e logram êxito na esfera judicial quanto ao momento de demons­trar a habilitação. Portanto, não entendemos que se vislumbra a hipótese de violação do princí­pio da isonomia em face dos pretensos candidatos que não realizaram a inscrição no concurso pela mesma falta de habilitação legal. De fato, o acolhimento do pleito dos que buscaram na justiça esta possibili­dade, por assim dizer, em nada mudou a sorte dos que deixaram de se inscrever, não caracterizando uma desigualdade entre eles. Ademais, a atuação dos órgãos jurisdicionais, quando devidamente manifes­tada, não deve ser omissa quanto ao reconhecimento de situações ilegítimas; tam­pouco devem as partes interessadas se furtar na busca da tutela jurídica quando forem vitimadas por situações reconhecidamente ilegítimas provenientes do excesso da Administração Pública. Para esta corrente doutrinária, o entendimento é o de que apenas excepcio­nalmente poderia se acolher o entendimento predominante nos Tribunais, como na hipótese de o candidato ainda não ter concluído a graduação a que se tem como requisito, mas alcançá-la no pequeno lapso temporal entre a inscrição e o tempo da investidura. Com isso, a conclusão da graduação exigida no edital se compatibilizaria, ao final das contas, com o prazo previsto para a investidura no cargo público, não pre­valecendo um lapso temporal significante entre eles. Portanto, devemos ressaltar que este entendimento que nega a apresentação da habilitação no ato da posse não tem sido acolhido pêlos Tribunais e pela maioria doutrinária. III.1.3.2 O que dizem os Tribunais? Para ilustrar a tese que defende a possibilidade de que a prova de habilitação poderá se dar quando da posse, trazemos o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento do RE 184.425, cujo voto do Relator Carlos Veloso opinou que a exigência de habilitação para o exercício de cargo público dar-se-á no ato da posse e não da inscrição do concurso, a seguir transcrito: Constitucional. Servidor público. Concurso público. Habilitação legal. Cargo público: Requisitos estabelecidos em lei. CF, art. 37, I. A habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigida no momento da posse. No caso, a recorrente, aprovada em primeiro lugar no concurso público, somente não possuía a plena habilitação, no momento do encerramento das inscri­ções, tendo em vista a situação de fato ocorrido no âmbito da Universidade, habilitação plena objetiva, entretanto, no correr do concurso (...) o que impor­ta é a existência da habilitação plena no ato da posse. Atende-se, com isso, à finalidade da lei, ao objetivo da lei. Cumprir a lei, sabemos todos, não é afer­rar-se, servilmente, à letra da lei, mas realizar os objetivos desta. Ora, não tem nenhuma significação a inexistência, no ato da inscrição do concurso, da habilitação para o exercício da profissão. No momento em que esse exercício vai ocorrer é que a habilitação é necessária. No caso, isto aconteceu. E dizer, no momento da posse, a recorrente já havia recebido o seu diploma e já esta­va inscrita no Conselho Regional de Odontologia. O objetivo da lei, pois, esta­va satisfeito". (RE 184.425 - RS, 2a T.J. 1.10.08). Outras decisões que positivam a possibilidade da prova ser demonstrada no momento da posse serão trazidas para enfatizar este entendimento e a nossa posição: Funcionário público. Concurso público. Delegado de polícia substituto. Exigência de apresentação para inscrição de diploma de curso superior. Tal diploma só há de exigir-se do candidato ao ensejo da posse no cargo se apro­vado e classificado em certame (ROMS na 917-ES, STJ, Rel. Min. José de Jesus Filho). Administrativo. Concurso público. Procurador da Fazenda Estadual. Diploma ou habilitação profissional. Momento da posse. A exigência posta no edital de que o candidato possua curso superior no encerramento da inscri­ção, contraria o enunciado no inciso I do art. 37 da Constituição Federal, que dispõe sobre o acesso a cargos, empregos e funções públicas e ofende o prin­cípio da legalidade de que devem estar revestidos os atos administrativos. O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo, deve ser exigida por ocasião da posse e não quando da inscrição no certame (RE nfl 131.340-MG, STJ, 5a Turma. Rel. Min. Flaquer Scartezzini). Portanto, conforme se constata, os Tribunais têm acolhido que a exigência de habilitação deve se formalizar quando o candidato, já aprovado, estiver apto a ir.vestir no cargo público, bastando que se comprove no ato da inscrição os requi-s::os de inscrição, já analisados anteriormente, como exemplo a documentação. Até admitimos que, caso a caso, excepcionalmente, e com muita parcimônia, possa se acolher a interpretação elástica que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça deu em casos citados. Por exemplo, quando o término do curso se dará pouco tempo após o prazo final da inscrição, mas não, como no caso, quando a possível conclusão do curso ocorrerá mais de meio semestre após! Pecar-se-ia não só contra o princípio da legalidade, senão que contra o prin­cipio da isonomia e igualdade entre os candidatos, pois, é normal e lógico que possíveis candidatos, na situação da impetrante, ou ainda, até em melhor situa­ção, mas que não tivessem concluído o curso, deixassem de se inscrever, obser­vando a lei e os termos do edital. Daí que ausente o fumus boni júris, assim, nenhuma ilegalidade praticou a Administração ao tornar sem efeito o ato de nomeação do habilitado por falta de habilitação específica na data de encerramento das inscrições, tudo de acordo com amparo no disposto na Súmula 473 do STF. No caso em foco não há divergência com a linha do STJ, pois, o habilitado, na ocasião da inscrição, não só não dispunha do diploma de habilitação legal para exercício do cargo, senão que não tinha concluído o curso. Entendemos, "máxima vénia concessa ", que a Súmula 266 do STJ, não pode ter aplicação tão elástica. Há que prevalecer, pois, interpretação restrita. Se não fosse assim, poderia ocorrer o exemplo que um estudante de Direito, do 42 semestre, faz concurso para Juiz de Direito e passa. Ele não tem e nem vai ter habilitação tão breve. No momento da posse, ele diz que não tem interesse em assumir naquela oportunidade, e, sim, no último dia da validade do seu concurso. O concursado se forma neste interregno e, no momento em que vai vencer o prazo do concurso, diz que está habilitado para a posse, mostrando o seu diploma. Tal situação jamais poderia ser chancelada pelo Poder Judiciário, uma vez que estaria caracterizada a quebra grave dos princípios da impessoalidade e isonomia entre os concorrentes. Não está presente, sequer, a falta de razoabilidade no ato da Administração Pública. Com efeito, a interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocá­bulos mas, sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas. É de fundamental importância concluir que o "diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o con­curso público (Verbete ne 266, do STJ)". Isto porque o habilitado torna-se servidor público com a assinatura do termo de posse, em conformidade com o art. 2fl c/c art. 72, da Lei na 8.112/90.2 Com isso, no caso vertente, é possível afirmar que a regra editalícia em sen­tido contrário destoa do princípio da razoabilidade e do preceito contido na referi­da Súmula na 266 do STJ. À inscrição não se confunde com o provimento do cargo. A titulação, em regra, somente é exigível para a posse do cargo. O princípio da acessibilida­de aos cargos, empregos e funções públicas, decorrência lógica dos princí­pios da isonomia e legalidade, só pode sofrer as limitações do próprio art. 37, incisos I e II, da Constituição Federal, ou seja, aprovação prévia em concurso público e o preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei, requisitos estes concernentes ao provimento do cargo, emprego e função pública. Somente a lei em sentido formal poderá estabelecer os requisitos necessários ao provimento do cargo, conforme art. Ia c/c art. 59, incisos II, III e IV; da Constituição Federal. Inexiste lei estabelecendo limites para a participação em concurso público. Os limites estabelecidos pela Constituição Federal refe­rem-se ao provimento do cargo. A exigência de titulação, no momento da ins­crição, viola o art. 37, inciso I e II, da Constituição Federal e o princípio da legalidade (art. 5a, inciso II, da Constituição Federal). O concurso visa selecionar os candidatos com melhor capacitação, não se justificando diminuir o número de concorrentes com exigências não previs­tas em lei, violando-se o direito de igualdade de competir. Número maior de candidato possibilitará a seleção dos melhores habilitados, o que atenderá o princípio da finalidade pública e da eficiência. Em concurso para ingresso na classe inicial da carreira do Ministério Público, formulou-se o seguinte problema: Zuleika foi aprovada na primeira fase do concurso público para o cargo de Promotor de Justiça. A Comissão do Concurso, entretanto, impediu que a candidata prosseguisse no certame, sob o fundamento de que não apresentou a documentação comprobatória de 3 (três) anos de atividade jurídica até a data da inscrição definitiva, conforme previsto no Edital do concurso. Inconformada, Zuleika ajuizou mandado de segurança, alegando não ter apresentado os documentos porque, à época da inscrição definitiva, faltavam ainda 4 (quatro) meses para completar o período de atividade jurídica exigido, o qual, porém, poderia ser comprovado no momento da posse, caso viesse a ser aprovada em todas as fases do concurso. A pretensão da candidata deve ser acolhida? Responda de maneira fundamentada.3 O entendimento majoritário na doutrina e na jurisprudência é no sentido de que o candidato deve comprovar o preenchimento dos requisitos para o exercício do cargo – especialmente a respectiva habilitação ou diploma – no momento da posse, e não no momento da inscrição ou da realização da prova. Nesse sentido, pode-se citar a Súmula 266 do STJ. Ocorre que, em se tratando do requisito relativo aos 3 anos de atividade jurídica, exigido pela CF para os concursos da Magistratura e do Ministério Público, as resoluções pertinentes (CNJ, Res. 114 e CNMP, Res. 4 e 11) estabelecem que a comprovação deve ser feita ao tempo da inscrição definitiva. O STF já reconheceu a constitucionalidade dessa exigência, não se aplicando, ao caso, a referida Súmula 266 do STJ. Assim, agiu corretamente a Comissão do Concurso e a pretensão da candidata não merece ser acolhida.5 EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 7º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO Nº 35/2002, COM A REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA RESOLUÇÃO Nº 55/2004, DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERALE E TERRITÓRIOS. A norma impugnada veio atender ao objetivo da Emenda Constitucional 45/2004 de recrutar, com mais rígidos critérios de seletividade técnico-profissional, os pretendentes às carreira ministerial pública. Os três anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de Direito e o fraseado "atividade jurídica" é significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito. O momento da comprovação desses requisitos deve ocorrer na data da inscrição no concurso, de molde a promover maior segurança jurídica tanto da sociedade quanto dos candidatos. Ação improcedente. (STF, Tribunal Pleno, ADI 3460/DF, Rel. Carlos Brito, julgado em 31/08/2006) Caso interessante que tem despertado atenção foi a situação especial onde o candidato foi habilitado, por meio de aprovação nas provas específicas e orais do XXIX Concurso para Ingresso no Ministério Público do Rio de Janeiro. Acontece que, dentre os vários documentos necessários para efetuar a dita inscrição, o Edital exigia, desde logo, a comprovação de três anos de prática jurídica.6 É certo que em nada inovou o edital, limitando-se a cumprir o exigido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, que, por meio de resolução, regulou o tema.7 Ocorre que o candidato não contava com três anos de atividade jurídica, dado que colou grau dia quatro de janeiro de 2005. Contudo, o Conselho Nacional do Ministério Público, ao apreciar o alcance de sua própria resolução, verificou que a mesma não seria capaz de abarcar todas as hipóteses relativas ao exercício de prática por três anos de atividade jurídica. Deste modo, dada a citada impossibilidade de regulamentação, o CNMP entendeu por bem editar o Enunciado nº 02, de 03 de julho de 2006, o qual privilegiou a autonomia administrativa dos Ministérios Públicos (art. 127, §2º, CRFB), conferindo poderes específicos às Comissões de Concurso para resolver os casos concretos: ENUNCIADO Nº 2, de 03 de julho de 2006. Conselho Nacional do Ministério Público. Referente ao conceito de atividade jurídica previsto no artigo 129, § 3º, da Constituição Federal, regulado pela Resolução nº 4/2006. O Conselho Nacional do Ministério Público, ao editar a Resolução nº 4/2006, já se pronunciou abstratamente sobre o conceito e comprovação de atividade jurídica de que trata o artigo 129, § 3º, da Constituição Federal, cabendo às comissões de concurso, no âmbito de cada Ministério Público, a análise dos casos concretos. Com isso, restou caracterizada, por parte do próprio Conselho Nacional, a autonomia das Comissões de Concurso para avaliarem as hipóteses concretas, não enquadráveis na norma em abstrato da Resolução, podendo entender de forma diferente desta, fato que parece se dar no presente caso. Trata-se de uma situação específica. O autor foi aprovado em concurso para exercer exatamente as mesmas funções – Promotor de Justiça Estadual – em ente da Federação distinto, qual seja: Espírito Santo, tendo tomado posse em 05 de julho de 2006, conforme o comprova a inclusa documentação. Ora, certo é que o autor já exerce exatamente as mesmas funções do cargo para o qual vem pleiteando a investidura, ou seja, o mesmo já integra as fileiras do Ministério Público Estadual, busca o requerente, tão-somente, trocar de Estado da Federação. Assim, parece irrazoável e ilógico admitir que o autor possa ser Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo e não o possa ser no Rio de Janeiro. De há muito a interpretação literal das normas jurídicas não pode ser considerada a melhor. Pelo contrário, devem ser usados diversos métodos, tais como: histórico, lógico, sistemático e teleológico, para que seja aferido o real significado da norma, tanto Constitucional como infraconstitucional. Desta maneira, aplicar a letra fria da Carta Magna, interpretada pelo CNMP, na hipótese em questão, indeferindo, desde logo, a inscrição definitiva, é fazer tábula rasa da vontade do constituinte derivado ao prolatar a Emenda 45/04. O próprio Guardião da Constituição – STF – ao julgar ADI que cuidava da Resolução 35/2002, com a redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Resolução 55/2004, do Conselho Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, com mesma carga normativa da Resolução do CNMP, fixou a ratio da norma, ou seja, que fins a mesma visa atingir: (...)No mérito, entendeu-se que a norma impugnada veio atender ao objetivo da Emenda Constitucional 45/2004 de selecionar profissionais experientes para o exercício das funções atribuídas aos membros do Ministério Público (...) (STF; ADI 3.460; veiculado no informativo de jurisprudência 438) Grifos Nossos. Em abstrato, o STF entendeu que a norma perfaz o juízo de proporcionalidade perfeito, estando em consonância com o devido processo legal substancial, nos moldes exigidos pelo art. 5º, LIV, CRFB, dado que se encontram presentes os pressupostos da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Contudo, a proporcionalidade também deve ser aferida diante da hipótese concreta. Deste modo, indiscutível que o Legislador deve fazer juízo de valor sobre a exigência de experiência jurídica para ingresso nos quadros do Ministério Público. No entanto, seria adequado – 2º requisito do Princípio da Proporcionalidade – impedir um Promotor de Justiça de assumir idêntico cargo em outro Estado da Federação sobre o argumento de ausência de experiência? Ao que parece, este requisito não estaria preenchido e a exigência seria inconstitucional diante da hipótese posta. Em adição, perquirindo-se a proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, se tal norma geraria mais benefícios do que prejuízos, verifica-se que, na situação em análise, estar - se - ia dispensando um candidato que já desempenha o ofício ministerial há quase um ano e meio, por ausência de experiência. De igual modo, outro requisito do Princípio Constitucional da Proporcionalidade que parece não se manter. Logo, diante dos argumentos expostos, é certo que esta norma restritiva não pode se aplicar ao presente caso, uma vez que o autor já exerce a função de Promotor de Justiça desde julho de 2006, ou seja, a mesma função que pretende vir a exercer no Estado do Rio de Janeiro. Frise-se que, no caso, há confronto entre o Princípio da Razoabilidade, de índole constitucional, e a Resolução editada pelo CNMP. De início, afere-se que a Resolução, na clássica pirâmide de Kelsen, se encontra em patamar hierarquicamente inferior ao do Princípio constitucional, fato que, de per si, faz com que este prepondere sobre aquela. Todavia, a título de argumentação, adotemos a hipótese de que a norma do CNMP – Resolução – tenha também força constitucional, por complementar o disposto no art. 129, §3º, CRFB, ainda assim prevalece o Princípio da Razoabilidade, decorrente do devido processo legal substancial, pelo critério hierárquico no sentido estático.8 Ademais, ressalto que o art. 129, §3º, CRFB, ao tratar do tema, exige do bacharel os três anos de atividade jurídica, sendo, no entanto, tal obrigatoriedade inócua para quem já integra os quadros da Instituição. Observe-se que o dispositivo fala em ingresso na carreira, não podendo, pois, ser aplicado àqueles que já fazem parte da carreira do Ministério Público. Desta forma, por mais que se esteja falando em Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo, certo é que o Parquet é uno, nos termos do disposto no art. 128, caput, I e II da Constituição do Brasil, de modo que seus membros são competentes para atuar em todas as funções inerentes à Instituição. Frisamos que o STF, recentemente, em hipótese análoga à presente, em que a impetrante postulava o ingresso na carreira do Ministério Público Federal, já sendo integrante do Ministério Público Estadual, concedeu liminar para que a mesma pudesse fazer as provas orais, apesar de não possuir os três anos de atividade jurídica: DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Lyana Helena Joppert Kalluf Pereira contra ato do Procurador-Geral da República, na qualidade de Presidente da Comissão Examinadora do 23º Concurso Público para provimento de cargos de Procurador da República. 2. O pedido de inscrição definitiva da impetrante foi indeferido por não ter ela comprovado o período de 3 [três] anos de atividade jurídica, qual o impõe o art. 129, § 3º da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n. 45/04. 3. A impetrante colou grau em 22 de janeiro de 2003, obtendo aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil no início daquele ano. Foi aprovada em junho de 2004 no concurso público para o cargo de Promotor de Justiça do Estado do Paraná, tomando posse em abril de 2005. 4. Alega que a autoridade coatora violou direito seu líquido e certo à participação no concurso público para Procurador da República, eis que possui todas as características necessárias para ingresso no cargo, "mesmo porque já exerce atividades delegadas desta função, ainda que na esfera estadual" [fl. 6]. 5. Sustenta que o Ministério Público é uno, nos termos do disposto no art. 128, caput, I e II da Constituição do Brasil, de modo que seus membros são competentes para atuar em todas as funções inerentes à instituição, "inexistindo hierarquia entre eles, seja porque lhe foram delegados poderes ou investidos diretamente no cargo" [fl. 6]. 6. Afirma que a exigência do art. 129, § 3º da Constituição é inócua quando se trata de candidato que já faz parte da instituição e foi empossado em cargo para o qual o mesmo requisito é necessário, tendo cumprido, inclusive, o período de vitaliciamento. 7. Alega violação aos princípios constitucionais da finalidade, da razoabilidade e da igualdade. 8. Informa que as provas orais do certame foram adiadas para os dias 14 e 15 de junho, sublinhando a necessidade de rápido julgamento do mandado de segurança. 9. Requer, liminarmente, seja-lhe permitida a participação nas provas orais do 23º Concurso Público para o cargo de Procurador da República. No mérito, pede a concessão da ordem a fim de garantir a sua habilitação para a eventual posse e exercício no cargo. 10. É o relatório. Decido. 11. A concessão de medida liminar em mandado de segurança pressupõe a coexistência da plausibilidade do direito invocado pelo impetrante e do receio de dano irreparável pela demora na concessão da ordem. 12. O periculum in mora restou demonstrado, uma vez que as provas orais ocorrerão nos dias 14 e 15 de junho. Passo à análise do alegado fumus boni iuris. 13. A EC n. 45/04 alterou as regras atinentes ao ingresso nas carreiras da Magistratura e do Ministério Público, exigindo dos candidatos três anos de atividade jurídica. 14. A aplicação dos novos preceitos a situações jurídicas consolidadas na legislação anterior pode gerar contradições, que haveriam de ser solucionadas mediante a edição das chamadas "regras de transição" 1 . 15. Ausentes essas regras, a dúvida instalada em relação a uma daquelas situações demandará a prudente análise do caso concreto, à luz dos princípios do direito. 16. O presente writ gravita em torno de um desses casos excepcionais. A impetrante é Promotora de Justiça do Estado do Paraná, empossada no cargo em abril de 2005. 17. Exerce atribuições inerentes a tal cargo, inclusive algumas do Ministério Público Federal, nos termos do disposto no art. 78 e 79 da Lei Complementar n. 75/93 2 . Atua nas causas previdenciárias de competência das varas da Justiça Estadual, em razão do disposto no art. 109, § 3º da Constituição do Brasil. 18. O Ministério Público nacional é uno [art. 128, I e II da Constituição do Brasil]. Compõe-se do Ministério Público da União e dos Ministérios Públicos dos Estados. No exercício das atribuições mencionadas no item anterior, o Ministério Público estadual cumpre o papel do Ministério Público Federal, interpondo recursos que serão julgados pelo Tribunal Regional Federal. 19. É no mínimo contraditória, destarte, a circunstância de a impetrante, Promotora de Justiça no Estado do Paraná, exercer funções delegadas do Ministério Público Federal e concomitantemente ser tida como inapta para habilitar-se a concurso público para o provimento de cargos de Procurador da República. 20. A questão é peculiar, exigindo detida consideração pelo Tribunal, que apenas tornar-se-á possível após a instrução do presente writ. A proximidade das datas de realização das provas orais, por seu turno, exige o deferimento da cautela, de modo que se evite prejuízo irreparável para a impetrante. Defiro a medida liminar a fim de que a impetrante possa participar das provas orais a serem realizadas nos dias 14 e 15 de junho. Intime-se a autoridade coatora para prestar informações no prazo previsto no art. 1º, "a", da Lei n. 4.348/64. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Brasília, 11 de junho de 2007.Brasília, 11 de junho de 2007. Ministro Eros Grau - Relator - ____________________________ 1 RESCIGNO, Giuseppe Ugo. "Disposizioni transitorie", in Enciclopedia Del diritto, Milano, Giuffrè, 1.964, pp. 219/235. 2 "Art. 78. As funções eleitorais do Ministério Público Federal perante os Juízes e Juntas Eleitorais serão exercidas pelo Promotor Eleitoral. Art. 79. O Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona." (STF; MS 26690 / DF; Min. EROS GRAU; DJ 15/06/2007 PP-00056)9 Como se observa facilmente pelos Julgados citados, o candidato será dispensado do requisito de cumprimento de três anos de atividade jurídica, dado que não se encaixa na ratio legis da Resolução do CNMP, sendo – lhe possibilitada a inscrição definitiva no XXIX Concurso para ingresso na carreira e, se for o caso, a nomeação e posse. III.2 DO EXAME PSICOTÉCNICO III.2.1 Considerações preliminares A matéria é complexa e comporta árdua discussão. O exame psicotécnico foi há muito considerado um requisito legítimo pela jurisprudência. Os exames psicológicos hão de ser utilizados para examinar a higidez mental dos candidatos concorrentes, para identificar e inabilitar pessoas cujas características psicológicas revelem traços de personalidade incompatíveis com o desempenho de determinadas funções. Os testes psicológicos têm se realizado principalmente nos concursos públicos realizados para ingresso em cargos de Polícia, Corpo de Bombeiros e Forças Armadas. Há de se fazer registro de alguns Tribunais que consideram inconstitucional qualquer norma de edital de concurso público, ao conferir índole eliminatória a exame psicotécnico (corrente minoritária), alegando, em síntese, que não sendo a Psicologia ciência exata, expondo-se a interpretações, variando segundo a linha de formação do psicólogo. Outros Tribunais, em sentido contrário, entendem ser cabível, mas com ressalvas. É a posição majoritária, mais adequada. O exame psicotécnico impõe a verificação de equilíbrio emocional dos candidatos, evitando o ingresso, por exemplo, de psicopatas, de certas pessoas portadoras de anomalias psíquicas para o exercício da função pública. Nada mais do que isso pode ser objeto de avaliação. O exame psicotécnico não se confunde com inteligência, bastando lembrar que os anais da criminologia registram numerosos casos de delinqüentes de altíssima inteligência, mas infelizmente direcionada para condutas anti-sociais. O exame psicotécnico constitui uma fase do concurso seletivo. Apesar de aprovado em todas as outras fases do concurso, o candidato pode ser reprovado e, conseqüentemente, excluído da competição. Se o exame psicotécnico, como condição para ingresso no serviço público, decorre de lei, não pode ser dispensado, sob pena de ofensa a Constituição, art. 37, I, da CRFB/88. Não obstante ser legal a exigência desse exame, não pode a Administração, sob argumento de sigilo, posto que norteada pelos princípios da legalidade, moralidade e, mormente, publicidade, negar ao candidato o conhecimento da decisão que o reprovou no citado exame, devidamente fundamentado porque, agindo desta forma, a Administração estaria enveredando nos caminhos nebulosos da ilegalidade. Portanto, o que é ilegal é o sigilo da decisão, de que, pelo menos o candidato de ser cientificado a fim de que lhe seja assegurado o direito de recurso, para que lhe permita exercer o contraditório e a ampla defesa. E ainda tem mais: o profissional de psicologia deve manter o sigilo sobre a decisão, atendendo à ética de sua profissão, em relação a terceiros, mas não em relação ao candidato a quem deve ser exibida a decisão aprovatória ou reprovatória. Na mesma linha de argumentação, as conclusões que reprova o candidato não podem ser desmotivadas e, quanto ao perfil profissiográfico, cabalmente há que ser demonstrado o porquê do candidato ser considerado inapto no teste psicotécnico ou seja, o exame tem de apurar características de personalidade incompatíveis com o cargo público. Caso contrário, à inexistência do perfil psicológico vai de encontro ao que preconiza a doutrina moderna: o exame não pode possuir critério subjetivo, anti-científico e arbitrário. Tem-se admitido a exigência da aprovação em exame psicotécnico no edital de concurso público para provimento de cargos, com vistas a avaliação do temperamento do candidato ao exercício das atividades inerentes à categoria funcional a que concorrer, desde que prevista em lei. O requisito de exame psicológico deverá estar previsto obrigatoriamente na lei que fixar os requisitos a serem atendidos pelos postulantes ao cargo, como estabelece o artigo 37, I, da Constituição da República. A presença de tal requisito somente em edital se configurará em inconstitucionalidade. Este é o entendimento em nossos Tribunais: "EMENTA: CONCURSO. OFICIAL DE SAÚDE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. EXAME PSICOTÉCNICO. RESOLUÇÃO Nº 3.034/94, DO COMANDANTE-GERAL. A exigência do exame psicotécnico, prevista em simples resolução como condição para ingresso na carreira de Oficial de Saúde da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, malfere a Constituição Federal. Ora, a resolução não é lei em sentido formal exigida pelo inciso I do artigo 37 da Carta, porquanto se trata de ato normativo inferior, que não supre a omissão legal. (RE nº 228356-MG, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 26/03/07)" O Supremo Tribunal Federal também entendeu que, não ofende o princípio do direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, da CF), a exigência de submissão de candidatos em concurso público a exame psicotécnico previsto em edital quando, antes da realização do concurso sobrevêm lei prevendo o mencionado exame: "EMENTA: ESTADO DE MINAS GERAIS. CONCURSO PARA SERVIDORES PÚBLICOS. EXAME PSICOTÉCNICO. LEI Nº 6.833/95, § 1º, REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 6.939/95. Exigência estabelecida na conformidade do disposto no art. 37, I, da CF. Lei editada antes da realização do concurso, não se podendo falar em direito adquirido. (RE nº 230197-MG, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 13/08/05)" Ocorrendo a ausência de um dos requisitos de validade dos atos administrativos, ou seja, a motivação do que inabilitou o candidato a permanecer no certame, torna o ato inválido, por ser requisito indispensável para averiguação. Vislumbra-se clara imprecisão do ato administrativo, o qual não especifica os motivos da reprovação, não restando apto a produção seus efeitos, de forma que deve ser oportunizado ao candidato a continuar a participar do concurso. A simples menção apto ou inapto é arbitrária e poderia agasalhar interesses escusos da Administração, o que não se coaduna com os princípios administrativos da moralidade e impessoalidade. Por fim, ao candidato deve ser garantida a transparência do julgamento que não pode ser sigiloso e, muito menos, secreto e irrecorrível. Não se admite, em hipótese alguma, reprovar o candidato em entrevistas, feitas, em salas fechadas, sem fundamentação de rigor científico, reduzindo a singela entrevista, dotada de subjetivismo, com forte possibilidade de arbítrio, efetuado sob sigilo. A sua validade está adstrita a testes psicológicos escritos, de caráter objetivo e de aplicação coletiva. Laudo constando aspectos subjetivismo da personalidade do candidato, apenas com descrições aleatórias, não demonstrativas de fatos objetivos e de dados concretos conclusivos de inaptidão, marcado pela ausência de fundamentação, é arbitrário. A valoração da entrevista, constante do edital, por si só, não pode eliminar candidato considerado apto nas demais provas do certame, vez que mencionado exame de natureza subjetiva, torna-se potencialmente discriminatório e arbitrário. É consabido que, no exame dos atos administrativos, o judiciário se limita a considerá-los sobre o estrito ponto de vista de sua legalidade, assim estando o exame psicotécnico sujeito ao controle jurisdicional não se pode permitir é que o candidato seja alvo de decisões desconhecidas em avaliações de moldes sigilosos. A entrevista em clausura, de parâmetros técnicos de valor desconhecido, sem rigor científico, não merece o nome de exames, tornando a entrevista com possibilidade discriminatória. A psicologia é matéria complexa e o exame das características da personalidade de uma pessoa não estaria completo com um simples teste subjetivo. Somente um estudo aprofundado, do laudo dos peritos poderá definir a adequação do concursado ao trabalho que desempenhará. Destarte, fere o princípio da impessoalidade o teste subjetivo, sigiloso, irrecorrível e que se nega ao candidato o conhecimento da avaliação quanto aos motivos de sua eliminação, mormente se o concursado havia obtido classificação nas provas escritas. Impede ressaltar que a avaliação psicológica, para assegurar a igualdade de condições a todos os candidatos e transparência na realização do concurso, deve submeter-se a parâmetros de natureza objetiva. Procedimento seletivo marcado pelo subjetivismo conduz á arbitrariedade, em desrespeito ao próprio interesse público. Não se pode, pois, impedir a Administração Pública de inserir nos editais de concurso público a exigência do exame psicotécnico e, por conseqüência, não pode o judiciário dispensar o candidato da realização do exame, sob pena de ofensa aos princípios da moralidade, da isonomia, de justiça, de eqüidade, de imparcialidade, sendo certo que a realização de um novo exame de psicotécnico é de caráter obrigatório.10 Também não se pode dispensar de tal exame o candidato que a ele já se submeteu em concurso anterior, pois cada concurso se afere a aptidão para um cargo diverso. Impede salientar que o exame psicotécnico não pode alterar a nota final do candidato, ou seja, alterar a ordem geral de candidatos considerados aptos. O edital jamais poderá informar o nome dos testes a serem aplicados. Se assim o fizer, tais exames perderão sua validade, pois possibilitarão que os candidatos se preparem, ante o conhecimento prévio das questões a que serão submetidos. Os tipos de teste psicológicos são de acesso exclusivo dos psicólogos examinadores e a eles deverão ser restritos. III.2.2 Critérios É pacífico o entendimento de que a aferição psicológica dos candidatos deverá revestir-se de critérios científicos e objetivos. A Administração Pública deverá estabelecer quais são os critérios pelos quais os candidatos serão avaliados, permitindo assim, que os critérios sejam conhecidos e que os resultados dos testes possam ser avaliados pelos próprios candidatos. Insta salientar que reprovação em exame psicotécnico, para revestir de legalidade, há de conter motivação expressa quanto à reprovação do candidato, além de justificativa quanto aos métodos objetivos e científicos adotados para a conclusão obtida pelos examinadores.11 O candidato privado de tais informações não tem como verificar a sua adequação ao exercício profissional do cargo ambicionado, e nem poderá questionar judicialmente se o exame psicotécnico restringiu-se em averiguar suas características psicológicas no que se refere à sua adequação ao exercício da função pretendida. Tal caráter sigiloso dado aos critérios de avaliação e ao resultado dos exames não atende aos requisitos de objetividade na apuração do resultado e de publicidade exigidos pelo artigo 37, incisos I e II, da Carta Vigente, além de ofender o artigo 5º, incisos XXXIII ("todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular...") e XXXV ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"), também da Lei Magna. Nesse sentido, os julgados: "EMENTA: Concurso público. Exame psicotécnico. - O acórdão recorrido, em última análise, decidiu que a avaliação do candidato, em exame psicotécnico, com base em critérios subjetivos, sem um grau mínimo de objetividade, ou em critérios não revelados, é ilegítimo por não permitir o acesso ao Poder Judiciário para a verificação de eventual lesão de direito individual pelo uso desses critérios. - Ora, esta Corte, em casos análogos, tem entendido que o exame psicotécnico ofende o disposto nos artigos 5º, XXXV, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição Federal. (RE nº 243926-CE, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10/08/2006)" "EMENTA: I- ........ II- Concurso Público: exame psicotécnico: inadmissibilidade da oposição do sigilo de seus resultados ao próprio candidato em conseqüência declarado inapto. A oposição ao próprio candidato a concurso público do resultado dos elementos e do resultado do exame psicotécnico em decorrência dos quais foi inabilitado no certame viola, a um só tempo, o "direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular" (CF, art. 5º, XXXIII), como também de submissão ao controle do Judiciário de eventual lesão de direito seu (CF, art. 5º, XXXV). (RE nº 265261-PR, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 10/08/2006)" "EMENTA: Exame psicotécnico, com trâmite decisivo na realização de entrevista. Direito de acesso aos cargos públicos, cuja satisfação está a depender de um grau mínimo de objetividade na realização do concurso e de publicidade dos atos em que se desdobra, de modo a permitir o acesso, ao Poder Judiciário, de eventual lesão de direito individual. Recurso extraordinário provido por contrariedade ao disposto no art. 5º, XXXV e no art. 37, caput, e incisos I e II, da Constituição Federal. (RE nº 201575-DF, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 19/12/06)" Por estas razões tem sido criticada a realização de exames psicotécnicos, na totalidade ou como uma de suas partes, que utilizem entrevistas, dissertações orais, diálogos, sem que seja possível ao candidato ou ao Poder Judiciário, ter parâmetros para verificar a legalidade do resultado. Em caso decidido pelo Supremo Tribunal Federal esse entendimento foi averbado: "Quando a lei do Congresso prevê a realização de exame psicotécnico para ingresso em carreira de servidor público, não pode a Administração travestir o significado curial das palavras, qualificando como exame a entrevista em clausura, de cujos parâmetros técnicos não se tenha notícia. Não é exame, nem pode integrá-lo, uma aferição carente de qualquer rigor científico, onde a possibilidade teórica do arbítrio, do capricho e do preconceito não conheça limites. (RE nº 112676-MG, STF, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 18/12/05)" III.2.3 Requisitos de validade O Supremo Tribunal Federal tem decidido, por reiteradas vezes, que são três os requisitos indispensáveis para que o exame psicotécnico sejam exigidos em concursos públicos, a seguir enumerados, cumulativamente: a) “somente por lei, ato normativo primário, pode estabelecer requisitos para o ingresso no serviço público – CF, art. 37, I. Se o exame psicotécnico estiver previsto em ato administrativo apenas, ocorre ilegalidade” (RE nº 232.571-7-RS, 2ª Turma, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO). Neste tópico, o STF editou a Súmula 686: ¨Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato em cargo público¨ b) ”..., e que tenha por base critérios objetivos de reconhecido caráter científico – (RE nº 188.234. DF, Rel. Ministro Néri da Silveira). Logo, métodos cientificamente reconhecidos. c) Possibilidade de recursos administrativos ou do Judiciário. Logo, os candidatos podem, conhecendo os motivos de sua contra-indicação, submetê-los à tutela jurisdicional. III.2.4 Dispensabilidade Registre-se que, parte da doutrina, vem admitindo, na hipótese do candidato já ter sido submetido a exame psicotécnico e sendo aprovado, por exemplo, para policial, ao se submeter a novo concurso com muitas semelhanças, e da mesma natureza, não é plausível a exigência de novo exame. Então, tem-se considerado desnecessário que, o servidor que já tenha sido submetido a exame psicotécnico e tenha sido aprovado, quando em participação em novo concurso público, na mesma pessoa federativa, e concorrendo a cargo de funções idênticas ou semelhantes ao que já ocupa, realize novo teste psicotécnico, uma vez que anteriormente não se lhe tenha atribuído nenhuma avaliação psicológica negativa. Esta foi a conclusão do Supremo Tribunal Federal: "EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. - Exame psicotécnico. Desnecessidade quando atendida a exigência pela submissão e aprovação em exame anterior da mesma natureza. (RE nº 24558-DF, Segunda Turma, Rel. Min. Américo Luz)" "EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. Exame psicotécnico em concurso para provimento de cargo de Procurador da República. Sendo o candidato Procurador da Fazenda Nacional, com cinco anos de exercício, e tendo obtido excelente classificação nas provas intelectuais do concurso, demonstrando perfeita adequação às funções do cargo pretendido, perde relevo o resultado do exame psicotécnico, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal entende só ser exigível mediante lei. (MS nº 20972-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Madeira)" Observe-se, por fim, que existem cargos e empregos aos quais são atribuídos funções tão específicas, que a Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou ao artigo 37 da Constituição, o parágrafo 7º, segundo o qual será editada lei que disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante de cargo ou emprego na Administração Pública direta ou indireta, que quando no exercício de suas funções possuir acesso à informações privilegiadas. O legislador constituinte foi oportuno em tal providência, pois determinados agentes públicos, no exercício de certos cargos ou empregos, têm acesso a informações consideradas privilegiadas, e até sigilosas, capazes de possibilitar a obtenção de vantagens pessoais, depois de seu afastamento da função pública. Convêm frisar que a matéria não é pacífica nem nos Tribunais. O Relator Ministro Félix Fischer, REsp. 296.034/PR, teve o entendimento, afirmando que o candidato que participa do concurso para o cargo de Delegado da Polícia Federal, por exemplo, deve submeter-se ao exame psicotécnico, mesmo que já tenha realizado esse teste em concurso anterior para o cargo de Agente. Então, pela impossibilidade de se aproveitar tal habilitação em processo seletivo distinto daquele em que foi realizada a avaliação, por força do disposto no art. 10, parágrafo único, do Decreto-Lei 2.320/87, que dispõe sobre o ingresso nas categorias funcionais da Carreira Policial Federal, verbis: “A habilitação em qualquer dos requisitos exigidos para matrícula em curso de formação não poderá ser aproveitada em processo seletivo distinto”. Os argumentos contrários a aprovação prévia em similar exame, quando se ingressou na polícia são: a) a finalidade do exame psicotécnico é a avaliação psíquica do candidato, a fim de aferir sua compatibilidade com o cargo a que pleiteia e não para o anterior ocupado, cujas atribuições são totalmente distintas; b) a aprovação obtida a anos, com certeza, foi pautada com base em sistemática seletiva adequada à época, não guardando similitude com a atual. Logo, não há como se aproveitar o exame psicotécnico anterior, sendo este o entendimento do STF. III.2.5 Visão do nosso Tribunal A Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já se manifestou favoravelmente, com brilhante argumento, sobre a validade da exigência de exame psicotécnico, assim como sobre a possibilidade deste reprovar candidato em concurso público, quando houver no edital a expressa menção da exigência deste exame e a sua descrição como classificatório. Segue a Ementa, com os nossos grifos sobre o texto original. EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA PSICOTÉCNICA. POSSIBILIDADE. RECURSO NAO PROVIDO. 1. Concurso para o ingresso no curso de formação de soldado da PMERJ. Candidato reprovado no exame psicotécnico. 2. A exigência prevista no edital com caráter desclassificatório é ato legal, desde que a avaliação se dê mediante os critérios objetivos. 3. Edital que estabeleceu critério de aferição das características básicas compatíveis com as atribuições da função de polícia militar. 4. Sentença de improcedência que se mantém. 5. Recurso não provido. (AC Nº 2008.001.44334-RJ, Décima Primeira Câmara Cível, Relator Des.: Benedicto Abicair) Conforme se constata na Ementa, trata-se de contenda levada a juízo por meio de ação declaratória promovida por candidato ao ingresso no curso de formação de soldado da PMERJ, reprovado em prova psicotécnica regularmente prevista no edital do concurso, e que buscou em juízo a nulidade do ato administrativo que o eliminou. Registramos que o juízo de primeiro grau proferiu sentença julgando improcedente o pedido, e que o recorrente apelou da decisão, argumentando que o exame psicotécnico não possui caráter técnico ou objetivo necessário à prova, mas sim subjetivo, e que o edital que regulamenta o concurso não pode se sobrepor ao Ordenamento Jurídico Pátrio, sendo flagrante a sua ilegalidade. Foi, contudo, o entendimento da Décima Primeira Câmara Cível que o edital previa como requisito para ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro a aprovação em todos os exames do concurso, entre eles o psicotécnico. Ilustrou ainda a sua decisão trazendo à leitura dispositivo da Lei 443/81, que é o Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro, que bem explica em seu art. 11 os requisitos necessários ao candidato que deseja ingressar na PMERJ, incluindo-se entre estes a capacidade física e mental, o que foi frisado: Lei 443/81 (...) Art. 11. Para a matrícula nos estabelecimentos de ensino policial-militar destinados à formação de oficiais, de graduados e de soldados, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual, capacidade física e mental e idoneidade moral, é necessário que o candidato não exerça, nem tenha exercido, atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional. Entendeu, ainda, que a edital continha entre os seus itens o referente aos “critérios objetivos de aferição das características básicas compatíveis com as atribuições da função de polícia militar”, tendo sido, com isso, atendido o critério de objetividade do concurso, o que faz cair por terra o argumento usado pelo recorrente. Ademais, reitera o relator da Décima Primeira Câmara Cível em seu voto que a matéria referente à admissibilidade de exame psicotécnico de caráter eliminatório já se encontra pacificada tanto no Tribunal do Estado do Rio de Janeiro como nos Superiores.12 III.2.6 Do Prazo O exame psicotécnico que elimina o candidato, querendo recorrer da decisão administrativa, opta-se pelo mesmo prazo de validade do concurso ao qual se submeteu o concursado. Portanto, não há possibilidade de insurgir-se contra sua eliminação no certame somente após o término de validade do concurso público a que se submetera. Nesse contexto, há equívocos de alguns precedentes e julgados contrários dos que entendem cabível questionar a eliminação do candidato após término da validade do concurso, partindo do raciocínio que, quanto aos atos administrativos ilegais podem ser submetidos ao controle pelo Poder Judiciário, sendo estipulado, para tanto, o lapso prescricional de 5 (cinco) anos. Há divergência entre alguns poucos julgados dos nossos Tribunais no sentido de que o controle judicial dos atos administrativos praticados no decorrer do processo seletivo não se sujeita à limitação temporal no edital, devendo obedecer às normas legais que regem a matéria. Filiamo-nos à corrente majoritária de que, de acordo com o art. 37, III, da Constituição Federal, “o prazo de validade do concurso será de até 2 (dois ) anos, prorrogável uma vez por igual período”, em homenagem ao princípios da segurança jurídica, legalidade interesse público. Ora, o prazo e validade do concurso é mais do que suficiente para que a parte interessada possa invalidar os atos nascidos com a mácula da ilegalidade, não se admitindo, hoje, quando já ultrapassado o lapso temporal de validade do concurso é que o candidato venha a se insurgir contra o ao ato que o eliminou, o que seu direito estaria extinto pela decadência. Exemplificando, o concurso sendo realizado em agosto do ano de 2006, a data do ajuizamento da ação seria até agosto de 2008, caso o prazo de validade do concurso público fosse de até 1(um) ano, prorrogado, uma vez, por igual período. Nesse sentido, citamos os julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “O direito de referência do Apelante a uma vaga, acaso se declarasse a ilegalidade do exame psicotécnico, perdura enquanto for válido o próprio concurso, e nada além deste prazo." (Apelação Cível n° 1.0024.03.024792-8/001, Relator Desembargador Jarbas Ladeira) A este respeito, em página de inegável clareza, o eminente Desembargador citado, assim finaliza: "o Apelante decaiu do direito de postular a garantia de uma vaga, com estribo em ilegalidade do exame psicotécnico. Deveria ter suscitado a matéria alusiva à sua pretensão, quando ainda se fazia viável a sua convocação e investidura no cargo, ou seja, dentro do prazo de validade do concurso. Assim, transcorrido tal prazo, não há mais como determinar sua convocação e posse." "ADMINISTRATIVO. CURO TÉCNICO EM SEGURANÇA PÚBLICA DA PMMG. EXAME PSICOLÓGICO. PREVISÃO LEGAL. DECADÊNCIA. - O exame psicológico para ingresso nos quadros da PMMG que elimina candidato sem oportunidade de recorrer reveste-se de ilegalidade, contudo, se o candidato reprovado deixa de recorrer no tempo oportuno opera-se a preclusão máxima administrativa." (Embargos Infringentes n° 1.0000.00.319074-1/002, Desemb. BELIZÁRIO DE LACERDA). "Processual Civil. Ação Anulatória e Cautelar. Curso para Ingresso na PMMG. Candidato Inapto. Exame Psicotécnico. Perda do Objeto. Extinção do Processo. In casu, o Curso de Formação de Soldados, para o qual o autor prestou concurso, havia expirado, não sendo possível determinar a sua matrícula em curso diverso daquele para o qual prestou concurso, sendo necessário que se submeta a novo certame." (Apelação Cível n° 1.0024.02.742853-1/001, Desemb. PINHEIRO LAGO). "ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - CARÊNCIA DE AÇÃO –INOCORRÊNCIA - DECADÊNCIA - PRAZO DE VALIDADE EXPIRADO. "O interesse de agir é, por conseguinte, a necessidade de se valer do Poder Judiciário para a solução de um conflito de interesses entre as partes." Pedido juridicamente possível é aquele que, em tese, é reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro. O prazo de validade de concurso público se submete às regras contidas no artigo 37, inciso III, da Constituição da República. Implementado o prazo extintivo imposto pelo legislador ou constante no edital, opera-se a decadência do direito, que produz efeitos de modo absoluto, vez que o prazo decadencial não pode ser objeto de renúncia nem ser invocado pela via de exceção. A ação ajuizada após o escoamento do prazo do concurso encontra óbice na decadência do direito, sendo circunstância impeditiva de conhecimento de outras alegações dos postulantes." (Apelação Cível n° 1.0024.03.941417-2/001, Desemb. GOUVÊA RIOS). "Concurso público - PMMG - Exame psicotécnico - Incidência do art. 37, III e IV, da CF/88 - Decadência - Candidato que ajuizou a ação quando expirado o prazo de validade do concurso. Decorrido o prazo de validade do concurso público, que pode ser de até dois anos, prorrogável por igual período, não é mais possível a suscitação de inconformidade com o seu resultado por candidato reprovado em exame psicotécnico, procurando alterá-lo, uma vez que se trata de prazo decadencial. Sentença mantida." (Apelação Cível n° 1.0024.03.024792-8/001, Desemb. JARBAS LADEIRA). III.2.7 Estudo de Caso Prático - Prova para Procurador do Estado13 ELZO SILVA foi eliminado no concurso público de acesso à carreira de policial militar do Estado do Rio de Janeiro, por contra-indicação em exame, eliminatório, de avaliação psicológica, que constava de bateria de testes objetivos. Irresignado, o candidato ingressou com mandado de segurança que foi denegado. Em sede de apelação, o autor sustentou que a exigência da avaliação psicológica não se concilia com os princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade, que devem se fazer presentes nos concursos para o provimento de cargos públicos. Responda de forma fundamentada: a) Edital de concurso público que atribua caráter eliminatório à avaliação psicológica de candidatos ao provimento de cargo público afronta as garantias constitucionais dos candidatos? b) Como se justifica o contexto do art. 37, inciso II, da CRFB/88, no que se refere ao provimento de determinados cargos públicos através de concursos, como, por exemplo, o descrito neste caso concreto? A matéria em questão comporta árdua discussão em tese, sendo freqüente visita dos Tribunais Superiores, inclusive da Corte Suprema, pois se trata da conciliação, com as garantias constitucionais, do caráter eliminatório que edital de concurso atribua à avaliação psicológica de candidatos ao provimento de cargo público, encontrando-se decisões que se inclinam pela inconstitucionalidade de qualquer lei ou norma editalícia de concurso público que confira índole eliminatória a exame psicológico e outras que a admitem com ressalvas. Isto porque, em princípio, não sendo a Psicologia ciência exata, expondo-se a interpretações que variam segundo a linha de formação do psicólogo, admitir-se caráter eliminatório a exame psicológico é emprestar-lhe índole totalitária, avessa ao controle e eventualmente comprometedora das franquias democráticas do Estado de Direito, porquanto atribuiria valor absoluto e incontrastável a opinião técnica que passa a atuar como discrímen, com possível violação do princípio da isonomia. Todavia, a isonomia convive com o fator discriminador quando este inequivocadamente contribua para o superior atendimento a razões de interesse público. Assim, no campo dos concursos para provimento de cargos e empregos públicos, haverá critérios de aferição (fator discriminante) compatíveis ou incompatíveis com o princípio da igualdade que deve prevalecer entre os candidatos. O discrímen será inconciliável com a isonomia quando submeter os candidatos a critério diferenciador irrelevante para o fim de interesse público que, no caso dos concursos, será o adequado desempenho das funções inerentes ao cargo ou emprego que se quer prover. O discrímen compor-se-á com a isonomia quando estabelecer critério imprescindível ao exercício adequado dessas funções, daí o Supremo Tribunal Federal reiterar, em uma messe de julgamentos, que, em matéria de concurso público, há de medir-se a legitimidade de fatores discriminantes de acordo com a razoabilidade, a cada caso. No caso em foco, inevitável é a adoção de discrímen que instrumentalize o Estado a selecionar candidatos especificamente aptos ao desempenho da função de policial militar, que exige equilíbrio emocional e autocontrole da agressividade, em combinação proporcional à intrepidez e à energia que desafiam o cotidiano desses agentes da segurança pública, sob pena de comprometerem-se o próprio desempenho da função e a finalidade pública a que deve servir. Tal perfil de personalidade não se afere, sendo curial, por meio de provas intelectuais, de aptidão física ou de saúde orgânica dos candidatos. A propósito, há de se observar que o perfil aferido pela avaliação psicológica não se confunde com caráter ou inteligência. Ainda que se trate de pessoa suficientemente apta do ponto de vista de inteligência, o fato não assegura ao candidato melhores condições para servir adequadamente ao interesse público e, no caso, na função policial, basta lembrar que os anais da criminologia registram numerosos casos de delinqüentes de altíssima inteligência, infelizmente direcionada para condutas anti-sociais, o que, decerto, não é o da hipótese ilustrada, mas a verdade científica é que não há nexo necessário entre inteligência e vocação para tal ou qual atividade específica. Por isto mesmo, a Administração deve dispor de discrição para estabelecer os critérios de admissão a certos cargos públicos e, para aferi-los segundo métodos cientificamente reconhecidos, como o é o da avaliação psicológica da personalidade, inviável que esses critérios, desde que fixados no edital de modo impessoal e isonômico, possam ser revistos em sede de controle judicial, posto que pertinentes ao mérito do ato administrativo. A avaliação psicológica é indispensável, portanto, e deve, mesmo, ser eliminatória, para que se reduza o mais possível o risco social e pessoal que representam policiais despreparados emocionalmente para os misteres de seu peculiar ofício, ou dotados de perfil de personalidade (profissiográfico) com estes inconciliável. Daí o art. 37, II, da Constituição Federal, com a redação que lhe veio imprimir a Emenda Constitucional no 19/98, ressalvar que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas, “de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego [...]”. Compatibilizado com o princípio da isonomia, o exame psicológico eliminatório, para revestir-se de legalidade, deve estar expressamente previsto no edital, que é a lei interna do concurso a que se destinam suas regras e se acha no ato convocatório sob exame. E há de ser ensejada ao candidato eliminado a ciência pessoal e reservada dos fundamentos de sua contra-indicação psicológica, a qual também ali se encontra prevista, íntegro, destarte, o respeito devido ao direito fundamental inscrito no art. 5o, XIV, da Constituição da República. Conhecidos os motivos da contra-indicação, através de laudo atinente à avaliação psicológica individual do candidato à policial militar, ditos motivos são idôneos para a produção do resultado, o que afasta sua invalidade e a ilicitude do ato administrativo eliminatório. Nada impede, porém, que o candidato, ao conhecer os motivos de sua contra-indicação, submetê-los à tutela jurisdicional, a qual se inviabiliza à falta deles. A presença do exame psicotécnico, ainda que de caráter eliminatório, não constitui, por si só, violação do princípio da igualdade se o candidato, tendo acesso assegurado às razões da eliminação, puder provocar o controle judicial, certo que, para terceiros, impõe-se o sigilo dos motivos da inaptidão por razões de ordem ética e que preservam o próprio candidato. Percebe-se, por fim, que o caso concreto sequer tangencia os vícios arrolados, que apontam no sentido de invalidar o exame psicológico, cuja presença, com caráter eliminatório, em concurso público de acesso à carreira de policial militar do Estado do Rio de Janeiro, admite, desde que não se reduza a simples entrevista, marcada pelo subjetivismo, efetuado sob sigilo, com forte possibilidade de arbítrio. Referência Jurisprudencial que suporta a conclusão: APELAÇÃO. Concurso público para ingresso na Polícia Militar. Avaliação psicotécnica com caráter eliminatório, assegurada ao candidato, no edital, a ciência dos motivos de sua inaptidão, apurada por meio de bateria de testes objetivos. Legitimidade em face da Constituição da República e da legislação estadual. O exame de razoabilidade e o art. 37, II, da CF/88, com a redação da EC nº 19/98. Desprovimento do recurso contra sentença que denegou a segurança ( APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.001.28899, (Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rel. Des. Jessé Torres). III.3 INVESTIGAÇÃO SOCIAL A investigação social, como etapa provida de caráter eliminatório nos concursos públicos, é procedimento constitucional e legal, sendo ratificados, por reiteradas vezes, pelos nossos Tribunais. Ademais, os incisos I e II do art. 37 da Constituição da República vinculam a acessibilidade aos cargos e empregos públicos, bem como a respectiva investidura, ao que a lei estabelecer para disciplinar o concurso público de provas, ou de provas e títulos. Nenhuma restrição impõe o Texto Constitucional à disciplinadora dos con­cursos, no que respeita aos critérios que deva fixar em atenção à na­tureza das funções de cada cargo. Pelo contrário, ao realçar tal diversidade, a Lei Máxima estimula o legislador infraconstitucional a definir os critérios adequados a cada caso, por isto que estes serão instituídos (nomea­dos) no edital de cada certame. III.3.1 Inabilitação por ocorrência policial arquivada ou ação penal em curso Não há dúvidas de que a inabilitação na sindicância acerca da vida pregressa e mo­ral do candidato, prevista no edital, operacionaliza-se em decorrên­cia da avaliação de critérios de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Todavia, a discricionariedade concedida ao Administrador deve ser realizada com certa ponderação, sobre cujo mérito não tem ingerên­cia o Poder Judiciário, que se limita a analisar sua legalidade. Daí o fato de que o exercício dessa discricionariedade deve ser entendido de modo relati­vo, ou seja, há que estar vinculado à motivação do ato. Com muita freqüência se tem notícia de candidato ser considerado inapto na sindicância sobre sua vida pregressa, com fundamento de ter contra si ocorrência policial que findou arquivada, fato este que se nos afigura bastante desproporcional e excessivo por parte da Administração Pública no uso de sua discricionariedade, sobretudo se observado o princípio constitucional da presunção de inocência, fixado no art. 5º, em seu inciso LVII, nos termos a seguir: “Art. 5º [...] LVII. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (..)” O mesmo tem ocorrido no que concerne aos casos de candidatos em cuja fase da Investigação Social têm demonstrado, através de certidão, serem partes em ‘ação penal’ em curso. Frisamos que em tais hipóteses, tais quais os casos de investigação social acima narrado, também não são imperativos de negativa para o ingresso em cargo público, pela mesma justificativa constitucional constante no art. 5º, inciso LVII. Não obstante, não há dúvidas de que a transparência por parte do candidato, quanto à apresentação de todas as certidões exigidas no certame deve ser rigorosamente observada, sob pena de ter contra si o gravame da omissão de informações ou mesmo da falsidade ideológica. Em síntese, consideramos que incorre em flagrante ilegalidade a negativa de nomeação, por meio de Exame Social, de candidato aprovado em concurso público com base na apresentação de certidão que indicava ser este parte no pólo passivo de ação penal em curso. Oportuno também adicionar a informação de que a ‘simples participação em concurso público’ não está atrelada ao fato de o candidato ‘estar ou não respondendo, ter ou nao respondido ou mesmo ter sido condenado em ação pena’. A importância desta informação se incorpora tão somente no momento do efetivo ingresso no cargo público. Neste sentido, vale ratificar que o momento oportuno e legal em que a Administração Pública deve se manifestar quanto à sua avaliação dos requisitos editalícios, aplicando-os ao caso concreto e positivando ou negativando-os para fins de aprovação ou reprovação do candidato é o exato momento da posse no cargo público em espécie. É certo que a Administração Pública, estando sujeita ao princípio da moralidade, deve se cercar das devidas cautelas ao avaliar a idoneidade moral de candidatos ao ingresso em cargo público. Se assim não fosse, estaria a Administração Pública se abstendo de observar um dos mais importantes princípios que a regem, que é exatamente o da moralidade, ao permitir o ingresso de candidatos cuja idoneidade moral não se coaduna com a moralidade pública; assim, temos como inegável a obrigatoriedade que tem o candidato de cumprir os requisitos editalícios, em especial o referente à apresentação das certidões negativas que objetivam analisar sua vida pregressa, sob pena de perder o direito a ser nomeado, fato este que nos parece razoável e que entendemos que se enquadra nos limites da discricionariedade administrativa. Em nossa concepção isto não nos permite deduzir que a Administração Pública tenha maior rigor no juízo da culpabilidade penal do que no da idoneidade moral, a ponto de não requerer necessariamente a prévia condenação do candidato na esfera criminal para concluir pela sua não aprovação no exame de investigação social. Já asseverou o STJ, através de seus julgadores, em mais de uma ocasião, que ressalvados os casos de discriminação ou perseguição, teria a Administração Pública uma livre margem de discricionariedade a ponto de poder optar pela não nomeação do candidato, ainda que não haja sobre ele condenação criminal, desde que a análise de sua vida pregressa aponte indícios de inidoneidade moral que julgue incompatíveis com o ingresso no serviço público. Enxergamos neste posicionamento fortes indícios de falta de ‘razoabilidade’ por parte do administrador, qualidade esta que está inserida num dos princípios que regem a Administração Pública que é o princípio da razoabilidade, e da qual não deve se furtar o administrador público nas atividades inerentes ao seu cargo. Não há que se questionar, todavia, que cada caso deve ser analisado isoladamente, mas que seria excessivo por parte da Administração excluir todo e qualquer candidato que tenha registrado em sua vida pregressa algum ato que se caracterize de idoneidade moral, perpetuando na qualificação do sujeito um erro que cometera no passado. Nos valendo desta oportunidade, ressaltamos que toda a sociedade aplaudiria de pé se tal conduta administrativa fosse também utilizada aos já empossados servidores públicos, numa espécie de avaliação regular, em que a simples avaliação da idoneidade moral fosse requisito para a sua manutenção ou não no cargo público. Todavia, trata-se apenas de uma ilustração sem nenhum fundamento constitucional ou legal, mas tão somente em manifestação à escassez da ética e da moral pública que têm imperado, cada vez de forma mais ousada e sem nenhuma demonstração de escrúpulo ou pudor. Com base no exposto, não nos parece razoável que mesmo em se tratando de uma ação penal em curso, um mero candidato ao ingresso em cargo público sofra tão incisivamente o ônus da moralidade administrativa, já que tem a seu favor o princípio constitucional da presunção da inocência, do qual tanto se valem, na prática, indivíduos já condenados em primeira instância, conforme dito, e com o total aval dos Tribunais Superiores. Portanto, exatamente para não se caracterizar uma grande contradição é que entendemos que não nos parece razoável excluir um candidato que tenha contra si uma anotação de inidoneidade moral cometida no passado, uma ocorrência policial arquivada ou ainda uma ação penal em curso. Por outro lado, há que se observar que, em regra, a negativa só pode ser exigida com relação à existência de decisões condenatórias transitadas em julgado, fato este que será analisado nesta seqüência. Em suma, opinamos que da simples existência de processo em curso não podem advir conseqüências negativas e definitivas ao candidato. III.3.2 Inabilitação por condenação criminal transitada em julgado cuja punibilidade foi suspensa Trazemos à análise outro exemplo que a princípio confronta com a nossa própria conclusão do tópico acima, com base em decisão que opinou que a negativa de o candidato prosseguir em concurso público, após as suas respectivas certidões declararem a existência de processo judicial, somente pode se dar com relação a decisões condenatórias transitadas em julgado. Portanto, façamos uma menção às duas posições que se contrapõem: A primeira, que tem fundamento em Jurisprudência do STJ, radicaliza ao afirmar que a não apresentação de certidões, enquanto requisito em edital de concurso público, pressupõe ausência de direito líquido e certo à nomeação. A segunda, que é o nosso entendimento, é no sentido de viabilizar esta exigência em homenagem ao ‘Princípio da Vedação do Excesso’, e afere que a negativa para competir nas demais etapas do certame só se justifica com a ocorrência de decisões condenatórias transitadas em julgado. Ocorre, todavia, que até mesmo a existência de uma condenação criminal transitada em julgado deverá ser avaliada de maneira criteriosa. Em tese, não se caracteriza em um fato consumado que uma condenação ensejará, inquestionavelmente, a negativa de participação em concurso público, ou até mesmo a investidura no cargo, em caso de aprovação, por ser o candidato considerado inapto através de exame de investigação social. Citamos o exemplo de um pretenso candidato em participar de um concurso da Receita Federal, que ao ter conhecimento de que um dos requisitos editalícios era a exigência de uma declaração que atestasse possuir vida ilibada e nunca ter sofrido qualquer punição legal, se viu na iminência de não se inscrever no concurso, uma vez que havia sofrido condenação criminal, tendo sido incurso no artigo 171 do Código Penal brasileiro, mas cuja punibilidade foi suspensa. 14 Ao analisarmos este caso em particular, temos que há dois fatores a serem examinados de maneira distinta. Primeiramente, o fato, por si só, de o suposto candidato estar respondendo, ter respondido ou até mesmo ter sido condenado em ação criminal, em regra, não guarda relação com a simples participação deste em concurso público, sendo este o entendimento majoritário atual. Em outras palavras, já está pacificado por meio de jurisprudência que a mera inscrição e participação nas etapas do concurso não vincula o candidato a atender às exigências editalícias, antes do ingresso no cargo. Valendo-se desta premissa, partimos para a tese de que é o ingresso no cargo propriamente dito, o que se dá apenas após a conclusão de todas as fases do edital e da consequente aprovação, que vincula o candidato ao atendimento dos requisitos ali contidos, inclusive no que se refere ao resultado de sua investigação social. Conforme já explanado em texto deste mesmo capítulo, abarcando o entendimento que tem predominado nos Tribunais brasileiros, restou assentado também por nós que o momento legal para se exigir os requisitos descritos no edital é o referente ao ato da posse. Neste sentido, a exigência do cumprimento de requisitos já no momento da inscrição tem sido considerada ilegal, ressaltando-se a existência de correntes contrárias a este entendimento. O segundo fator a ser analisado neste caso é o mais complexo, já que o nosso candidato de fato sofreu condenação criminal, com fulcro no artigo 171 do Código Penal, e que certamente constará em suas certidões, quando oportunamente apresentadas. Entra aqui a discricionariedade da qual a Administração Pública pode se valer e alegar que o candidato não está apto a ingressar nos quadros do Poder Público, tendo em vista que a análise de sua vida pregressa aponta para uma condenação ocorrida no passado. Além disso, terá fatalmente como argumento que o candidato aprovado pode representar um risco à integridade administrativa, não parecendo ser suas condutas passadas compatíveis com o que se espera de um servidor público. Nesta análise, a Administração Pública pode também usar o argumento de que a supremacia do interesse público se sobrepõe a qualquer outro interesse, inclusive à aprovação de um candidato que pretende integrar nos quadros do Poder Público, mas cuja vida passada não lhe confere credibilidade para assumir responsabilidades que a empreitada requer. Pende, contudo, a favor do ‘nosso candidato’ o fato de que a punibilidade a qual sofreu foi suspensa, o que muda todo o quadro até então apresentado e o torna apto, entendemos, a buscar a garantia da legalidade para o ingresso no cargo público. A suspensão da punibilidade corresponde à também suspensão da responsabilidade que lhe era imposta, não mais sendo razoável atribuir a ele o fardo de carregar perpetuamente uma culpabilidade que não mais existe no mundo legal, sobretudo por não existir no Brasil, segundo a Constituição Federal, pena de caráter perpétuo. Porém, em caso de negativa de ingresso do candidato no cargo público em uma das hipóteses acima discriminadas, encontramos na Carta Maior um dispositivo que poderá ser usado em favor deste candidato, inserido no art. 5º, inciso XLVII, alínea ‘b’, o qual prevê que “não haverá penas de caráter perpétuo”. Sendo assim, o suposto candidato que deseja concorrer a uma vaga, como no caso sob análise, na Receita Federal, onde conste no edital como um dos requisitos editalícios a exigência de declaração que ateste vida ilibada e a negativa de ter sofrido qualquer punição legal, não deveria se furtar da inscrição e participação no certame por ter sofrido condenação criminal, mas cuja punibilidade foi suspensa. III.3.3 O direito líquido e certo de o candidato de ser nomeado Não se desconhece, embora de forma isolada, existência de julgados em sentido diverso, concluindo pelo cabimento de eliminação de candidato a concurso público pelo fato de responder a inquérito policial ou a processo penal quando da investigação de sua conduta social.15 Ousamos, contudo, com base nos argumentos expendidos, divergir dos mencionados precedentes daquele órgão colegiado sobre o tema, para concluir pelo direito líquido e certo do impetrante a ser nomeado, vetado exclusivamente pelo fato de estar respondendo a processo criminal, pois aprovado dentro do número de vagas e efetuada a nomeação de candidatos classificados com notas menores que as suas. Não se pode considerar esse fato como antecedente crimi­nal, sob pena de transgressão ao art. 5°, inciso LVII, da Constituição, que dispõe: "LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". A decisão administrativa não pode ferir a regra constitucio­nal, pois a motivação do ato resume-se a fundamentar no suposto fato. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em recente julgamento de Apelação Cível16, foi incisivo ao negar recurso que tinha por fim modificar a acertada sentença que se inclinou na defesa de candidato eliminado, quando da admissão ao curso de formação de soldado da polícia militar, por restar desarrazoada a motivação da demissão, o que equivale a dizer, a motivação do ato administrativo que levou o candidato à demissão. No caso em tela, o Estado do Rio de Janeiro apelou da decisão do juiz de primeiro grau, o qual deferiu liminar concedendo a segurança para o então impetrante, que buscava nas vias judiciais a garantia para concluir o Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar e a sua eventual posse, em caso de aprovação. Registre-se que não se tratou de uma intrução do Judiciário na análise do mérito do ato administrativo, conforme tentou argumentar a parte vencida, mas de uma mera apreciação da motivação, o que é legalmente conferido à análise do Poder Judiciário. É de se ressaltar que a eliminação do candidato teve por fundamento a sua confissão, em Exame de Investigação Social, de ter feito uso isolado de substância entorpecente na adolescência, o que o levou, inconformado da decisão administrativa, a ingressar na Justiça buscando garantir a sua manutenção no curso de formação, até que este se concluísse, bem como a sua eventual posse, se aprovado. Com efeito, o Juízo originário proferiu decisão a seu favor, por entender inexistir razões plausíveis que justificassem o ato de eliminação, já que o uso de substância tóxica relatado pelo candidato se constituiu em fato isolado, ocorrido há muitos anos atrás, quando aquele ainda se encontrava na condição de menor incapaz, sem nenhum indício de ferir a dignidade de sua conduta pessoal. Mais relevante ainda, entenderam os julgadores, foi o fato de que as informações foram emitidas pelo próprio candidato, em uma total demonstração de honestidade e coragem, e que seria uma grande falta de coerência perpetuar na história de uma pessoa um erro cometido no passado, em especial quando este pretende o ingresso em cargo público, na carreira da polícia militar, carreira esta que pressupõe a ocupação de candidatos detentores de coragem e desprendimento. Ademais, lembrou-se bem que vivemos em uma sociedade acostumada a perdoar desvios de caráter muito mais graves de seus governantes. Com muita freqüência tem-se visto governantes, quase sempre ocupantes do mais alto escalão do Governo, cometendo erros e sendo novamente reeleitos ou nomeados para cargos de confiança. Por isso mesmo, não seria razoável considerar inidônea a conduta referida, cuja prática há muito ocorreu, se não restou provado haver qualquer indício de que ainda haja envolvimento do candidato com substâncias entorpecentes na época atual. Em suas alegações, o Estado, apelante, tentou argumentar de que seria vedado ao Poder Judiciário o controle sobre o mérito administrativo, fato este já sabido e ratificado pelos tribunais. Da mesma forma, não há que se questionar que os atos administrativos, quando motivados, estão sujeitos ao controle de legalidade pelo julgador, o que ocorreu no caso em análise. O relator do voto bem lembrou que ao se observar o art. 37, I da Constituição Federal, fica claro que a própria Constituição garante acesso aos cargos, empregos e funções públicas aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei, devendo-se observar também, que o edital do concurso deve trazer apenas os requisitos e as exigências que se mostrem pertinentes com as funções do cargo concorrido, sem exceções. Entretanto, no caso do edital do concurso em análise, encontra-se tão somente a ressalva de envolvimento de candidato com pessoas comprometidas com ilícitos, subentendendo-se também seu próprio envolvimento, o que não se coaduna com a realidade dos fatos, pois não houve quaisquer indícios de que o candidato ainda mantinha envolvimento com substâncias entorpecentes, mas sim uma mera declaração de que havia feito uso, em tempos passados. Diante de tais fatos, constatado que a eliminação do candidato no referido concurso público ocorreu por alegação de sua inidoneidade com relação ao uso de substância tóxica no passado, e confirmando-se que isto não seria fato plausível para a reprovação, ficou clara a competência do Judiciário para analisar a coerência da motivação que levou à demissão do candidato. Conforme se verifica, não se trata da análise do mérito do ato administrativo, mas da motivação deste ato, e uma vez que tal motivação foi cabalmente comprovada ter sido injusta e ilegal, por não haver indícios que desabone a conduta do candidato, optou o relator pela sua revisão. Na jurisprudência, o próprio o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se mani­festou no sentido da viabilização da participação em concurso, até mesmo do candidato penalmente reabilitado: "Administrativo. Mandado de Segurança. Con­curso Público. Investigação Social. Crime (homi­cídio) cometido por agente de polícia. Ilegalidade da investigação social da" banca examinadora". A presunção de irrecuperabilidade de quem já co­meteu delito penal, a par de solapar um dos pri­mados da civilização ocidental, jogaria por terra toda política criminal da reabilitação e reintegra­ção do delinquente ao seu meio social" (2007/0033701-0, Rei. Min. Vicente Leal, Recur­so Ordinário em Mandado de Segurança). Consoante os nossos Tribunais, o simples fato de o candi­dato haver sido investigado em inquérito policial posteriormente arquivado ante a ocorrência da extinção da punibilidade, também pela prescrição, não pode ser considerado como desabonador de sua conduta de forma a impedir sua participação em concurso público, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência. Nesse mesmo sentido, é o entendimento consagrado pelos Tribunais pátrios: "DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. EXCLUSÃO DE CANDIDATO EM RAZÃO DE INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.1. Em observância ao princípio da presunção de inocência - art. 5°, LVII, da Constituição Federal - não se admite, na fase de investigação social de concurso público, a exclusão de candidato em virtude da simples existência de inquérito policial arquivado por sentença transitada em julgado em 1993. Tal fato não tem o condão de afetar os requisitos de procedimento irrepreensível e idoneidade moral. Precedentes do STJ. 2. Recurso especial conhecido e improvido" (STJ, T5 - QUINTA TURMA, REsp 780032 / DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, julgado em 26/06/2007). "AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO. ILEGALIDADE DO ATO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO DO SERVIDOR NO QUADRO DA POLÍCIA MILITAR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. 1. Ato administrativo vinculado. Indeferimento do pedido de reintegração do servidor na Corporação. Ilegalidade por não terem sido observados os direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal. 2. Reexame da decisão administrativa pelo Poder Judiciário. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Inexistência. A Carta Federal conferiu ao Poder Judiciário a função precípua de controlar os excessos cometidos em qualquer das esferas governamentais, quando estes incidirem em abuso de poder ou desvios inconstitucionais. Precedente. Agravo regimental não provido. (STF, 2a. Turma, AgReg nº RE 259335 / RJ , Rel. Min. Maurício Corrêa).17 Como se observa pelos julgados transcritos, a jurisprudência mais atualizada, na fase de investigação social de concurso público, tem prestigiado o entendimento de que a disposição do edital tem que se dá sobre o prisma da razoabilidade e da proporcionalidade, como corolários do devido processo legal substantivo. Tratando-se do princípio da razoabilidade, também chamado de Princípio da Vedação do Excesso, é de se notar que o mesmo objetiva adequar, compatibilizar, meios e fins, de maneira a evitar restrições desnecessárias, mesmo porque o administrador não pode atuar de acordo com seus valores pessoais, e sim considerar os valores ordinários, comuns a toda a coletividade. A razoabilidade se atrela às necessidades da coletividade, à legitimidade e à economicidade. No desempenho de suas funções, o agente público deve buscar soluções dentro do que se considera razoável, compatível com os critérios lógicos que se pode exigir do bom administrador. Somente os atos manifestamente absurdos devem ser controlados pelo Poder Judiciário com fundamento na razoabilidade, sob pena de se adentrar no mérito administrativo. O princípio da razoabilidade não se encontra expressamente previsto sob esta epígrafe na Constituição de 1988. Isto, contudo, não permite se infira estar este princípio afastado do sistema constitucional pátrio, posto se pode auferi-lo implicitamente de alguns dispositivos, bem como do histórico de sua elaboração. Em sua face processual, enquanto princípio do devido processo legal, encontra-se positivado no capítulo de direitos e garantias individuais, no art. 5o, LIV. Nesta mesma esfera, tocante à processualística penal da qual é oriundo, o inciso XXXIX do citado artigo expõe a idéia central do nullum crimen, nulla poena, sine lege. É, contudo, enquanto princípio conformador de direito material que a ausência de disposição expressa do princípio da razoabilidade é mais sentida. O apego desmedido ao princípio da separação dos poderes tem lhe imposto barreiras a um desenvolvimento mais explícito. Mister é lembrar, todavia, que sua previsão constou dos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1988. Em certa altura dos trabalhos, lia-se na redação do art. 44: Art. 44. A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade. Ainda que outra tenha sido a redação final do dispositivo, não se pode negar que a razoabilidade e a racionalidade integram de forma cabal o ordenamento constitucional brasileiro e constituem princípios inarredáveis para elaboração de leis e atuação do Poder Executivo, ensejando seu afastamento, em ambos os casos, impugnação pelo Poder Judiciário, sempre que perquirido, por inconstitucionalidade destas medidas. José Afonso da Silva afirma também estar o princípio da “proporcionalidade razoável”18 consagrado enquanto princípio constitucional geral e explícito de tributação, traduzido na norma que impede a tributação com efeitos de confisco (art. 150, IV). É vedado ao Poder Público tributar patrimônio de modo a impossibilitar sua manutenção pelo particular ou inviabilizar o uso econômico a que se destine, ressalvadas as exceções constitucionalmente previstas. Por último, cumpre destacar que, a cada dia, torna-se mais freqüente a alusão ao princípio ora em voga em diversos arestos de nossa Egrégia Corte. Assim, em Ação Direta de Inconstitucionalidade relatada pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence: “[...] relevância da questão, embora complexa e delicada como sói, quando se cuida de verificar a razoabilidade ou não da distinção legal das situações de fato”.19 Veja-se também as luminosas palavras do Ministro Marco Aurélio em despacho: [...] Se a Corte de origem não dirimiu a matéria sob o ângulo constitucional, descabe assentar, contrariando até mesmo o princípio da razoabilidade, ou seja, a presunção do ordinário, que, se a Corte enfrentasse o tema, agiria de forma contrária ao que preconizado pela Lei Maior.20 É oportuno que se faça breve comentário acerca de, após ser aprovado nos exames, o candidato foi considerado inabilitado em função de ter respondido a processo por porte ilegal de arma. Mesmo havendo, de acordo com os arts. 76 e 89 a Lei 9.099/97, uma transação, por se tratar de infração de menor potencial ofensivo. Será que aceitação da transação penal, proposta pelo Ministério Público, sem sentença condenatória, pode ou não pode trazer conseqüências para o candidato? O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao apreciar à aludida questão, acima mencionada, negou, em votação unânime, provimento ao recurso do candidato, nos seguintes termos: Administrativo. Concurso público. Policia Militar. investigação social. Eliminação de candidato coro antecedente criminal. ainda que beneficiado por medida da lei Federal 9099. Requisito do edital que se adequa à exigência da idoneidade prevista. Reprovação fundamentada. , inexistência de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Apelação desprovida. (Apelação Cível nº 2006. 001.62.855, Rel: Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto). Optamos, porém, data vênia, por um entendimento diverso. Trata-se de uma decisão incoerente, que anda na contramão da lógica, do espírito da lei. O próprio Supremo Tribunal Federal, por seu turno, reformou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no RE 559.135-2, sendo oportuna a transcrição, por sua clareza e concisão, tendo como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ILEGALIDADE. O ato administrativo que considerou o impetrante 'não recomendado' na fase de investigação Social e Sindicância da Vida Pregressa, motivado pela existência de procedimento regido pela Lei nº 9.099/95, não pode prevalecer, uma vez que se trata de infração de menor potencial ofensivo em que houve a suspensão do processo, e, uma vez cumpridos os seus termos, deve-se prestigiar o objetivo da lei penal, que é o de apagar as conseqüências do crime. - Deu-se provimento à apelação, unânime. Embora seja a investigação social meio idôneo para averiguar a prontidão e a probidade de candidato, a sua eliminação deve se fundar em fatos verídicos, demonstrativos da inidoneidade de comportamento, incompatível com o cargo. Seria desarmonioso e inadequado se, por exemplo, subme­tesse aos candidatos a critério irrelevante para o fim de interesse público ao cargo ou emprego que se quer prover. Em matéria de concurso público, há de medir-se a razoabilidade, a cada caso, harmonizando os motivos da eliminação e a finalidade de interesse pú­blico a ser preservada. Candidatos ao desempenho da função policial, hipoteticamente, o Estado tem que aferir o equilíbrio emocional e autocontro­le da agressividade, sob pena de comprometimento do desempenho da função e a finalidade pública a que deve servir. A vida pregressa do candidato, a investigação social, a que o Edital confere a mesma índole eliminatória que acompanha as provas de conhecimentos, o teste psicológico e o exame de saúde física e mental. Foi com base nestes critérios de aferição do equilíbrio emocional e autocontrole da agressividade que o Superior Tribunal de Justiça negou o provimento de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, interposto por candidato concorrente à vaga nos quadros da Polícia Militar, sendo o caso da Ementa que se segue: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR.INVESTIGAÇÃO SOCIAL. FATOS QUE CONFIGURAM CRIME. APURAÇÃO NA VIA CRIMINAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. POSSIBILIDADE. I – A investigação social, em concurso público, não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que porventura tenha praticado. Serve, também, para avaliar a sua conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir seu comportamento frente aos deveres e proibições impostos ao ocupante de cargo público da carreira policial e de outras carreiras do serviço público não menos importantes. II – As condutas apuradas pela Comissão de Investigação Social do concurso, as quais foram devidamente apuradas na esfera penal, tendo, algumas, sentença condenatória com trânsito em julgado, são incompatíveis com o que se espera de um policial militar, cujas atribuições funcionais se destacam a preservação da ordem pública e manutenção da paz social. III – O direito à ampla defesa, em concurso público, se materializa com a interposição de recurso administrativo, o qual, na espécie, não foi interposto pelo recorrente. Recurso ordinário desprovido. Insta registrar que no caso em tela o candidato impetrou Mandado de Segurança com pedido de liminar quando concurso ainda não havia sido encerrado, mas encontrando-se ainda na 4ª. Fase, ou Curso de Formação. Não obstante, em suas alegações, o recorrente tentou assegurar em sua defesa a aplicação da teoria do fato consumado em relação à liminar deferida anteriormente, a qual lhe assegurava tão somente o direito de permanecer no Curso de Formação, até que ocorresse o julgamento final do mandamus. Valeu-se, ainda, de documento o qual consta da publicação do resultado final do concurso, sendo certo que este em nada se consignava em documento válido de homologação do resultado final, o que, conforme restou claro no edital, haveria de ser feito pelos Secretários de Estado de Gestão de Pessoal e Gastos e o de Justiça e Segurança Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Daí não prosperar a alegação da teoria do fato consumado, pois de fato o concurso sequer havia sido finalizado quando da busca da liminar por parte do recorrente, concedida apenas para manter a sua permanência até o julgamento final do mandamus. O fato de ter ocorrido, neste ínterim, a conclusão do concurso público em nada faz perpetuar a garantia concedida a título precário por via de liminar judicial, garantindo ao candidato o direito à aprovação no certame, seguida da sua nomeação e posse. Ademais, restou claro que as condutas do recorrente as quais resultaram na sua exclusão do concurso na fase de investigação social foram respaldadas no devido processo administrativo elaborado pela competente Comissão de Investigação Social, tudo conforme previsto no edital. No que se refere ao teor do resultado da Investigação Social, este foi o bastante para garantir a reprovação do candidato pela existência de inúmeros crimes praticados por aquele, e os quais se configuraram incompatíveis com a prática de conduta de qualquer cidadão comum, tampouco com a de um policial militar, que tem por dever zelar pela segurança pública. É o que diz parte do relatório: “...A Comissão de Investigação Social devidamente nomeada apontou a existência de vários crimes praticados pelo impetrante, inclusive que foi condenado pelo crime de ameaça e não cumpriu a pena, pois deixou de entregar as cestas básicas à entidade indicada. Foi também condenado, administrativamente porque, usando da qualidade de policial militar, realizou perseguições pessoais, lavrando multas de trânsito em desfavor do seu ex-sócio, por questões financeiras. Se não bastassem esses fatos, há inquérito policial apurando a autoria do crime de falsificação ideológica possivelmente praticado pelo impetrante, e notícia de que fora absolvido por insuficiência de provas acerca do crime de apropriação indébita de dois cheques em que figura como vítima a empresa Ciclo Ribeiro Comércio e Representações Ltda...”. Com efeito, é de se observar que a investigação social que levou à sua reprovação demonstra de forma fidedigna o caráter deste ato de analisar não apenas a vida pregressa do candidato quanto a eventuais infrações penais, mas também para, e inclusive, avaliar a conduta moral e social no decorrer de sua vida, com o objetivo de aferir as condutas do sujeito, considerando-se a sua posição como ocupante de cargo público, e mais ainda, como policial. Conclusivo foi que as condutas as quais foram denunciadas em ato próprio não se coadunam com a postura a que se deve esperar de um policial militar, sobretudo pelo seu especial papel na sociedade de “preservação da ordem pública e manutenção da paz social”. Portanto, estes foram os embasamentos que serviram de base para negar o provimento do recurso buscado pretenso policial militar. Interessante ainda observar que o art. 37, II, da nossa Constitui­ção, com a redação que lhe veio imprimir a Emenda Constitucional n° 19/98, reserva: a investidura depende da aprovação prévia em concurso público de provas de acordo com a natureza e a complexi­dade do cargo ou emprego. A investigação social, para se revestir de legalidade, deve estar expressamente prevista no edital. E o candidato eliminado tem direito de conhecer, se desejar, as razões e o inteiro teor de sua elimi­nação (art. 5°, inc. XIV, da Constituição da república). Portanto, em­bora seja a investigação social meio idôneo para averiguar a aptidão e a probidade do candidato, a sua eliminação deve se fundar em fatos verídicos, demonstrativos da inidoneidade de comportamento in­compatível com o cargo. O candidato pode, conhecendo os motivos de sua reprova­ção, reduzidos a especulações sem base factual demonstrada, ou re­lacionada a fatos sem potencial lesivo ao interesse público, ou referente a episódios de passado longínquo, desvinculados da con­duta atual do candidato, submetê-los à tutela jurisdicional. Eis o entendimento trazido pelo seguinte julgado: "Concurso para provimento de cargo público. Policial militar. Exame social e documental. Re­provação. Apelação. Ordinária. Concurso público para ingresso na Policia Militar. Investigação soci­al que apurou fatos tidos como inabilitantes: por­te ilegal de arma de fogo, com a qual o candidato ameaçava vizinhos e cobrava dívidas, em conse­quência do que fora baleado, ensejando a instau ração de inquérito policial; inscrição em concurso anterior mediante a apresentação de diploma fal­so de segundo grau, pelo que respondeu a proces­so criminal, extinto pela prescrição; círculo de amizade com traficantes. Arguidas inconstitucio-nalidade e ilegalidade da investigação social, com caráter eliminatório; inconsistência; precedentes pretorianos. Cabe no controle judicial de legalida­de dos atos administrativos a verificação de seus enunciados motivos, mas a avaliação destes cons­titui o mérito do ato, interdito à apreciação judi­cial, salvo se ocorrer evidente violação da razoabi-lidade (congruência entre os motivos e a finalida­de de interesse público). Há razoabilidade entre os motivos descortinados pela investigação social e o impedimento para o exercício das funções de policial militar, objetivo final do certame seletivo público. Desprovimento do recurso contra sen­tença que (...)" (Ap Cível n° 2006.001. 09200, Rei. Des. Jessé Torres, 2a CC. Há, sem dúvida, ilegalidade na cláusula constante do edital, vedando participar do concurso de pessoas que já responderam a qualquer inquérito criminal.21 Tal exigência é irrazoável. Admitindo-se, a título de ilustra­ção, que o habilitado tivesse sido absolvido ou arquivado o inquérito por não ter encontrado no bojo dos autos indícios de que o mesmo tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia, no caso de um delito culposo. Como excluir e apená-lo do concurso em tais circunstânci­as, depois de ter logrado aprovação no certame. Isso não poderia acontecer com qualquer cidadão? Cabe ao Judiciário, pela dicção do Texto Constitucional, o controle da legalidade dos atos administrativos. E esse controle não se restringe aos seus aspectos formais, mas, pelo contrário, esten­de-se também aos seus motivos. O Judiciário pode e deve examinar o motivo toda vez que for imprescindível ao exame da legalidade do ato administrativo. E não há que se falar de exame do mérito administrativo, porque não se aprecia a conveniência ou oportunida­de, mas o vício da ilegalidade substancial pela falta de motivo (falso, vicioso ou interpretação equivocada da lei). Com pena de ouro, o consagrado administrativista Vitor Nunes Leal assim se manifestou: “A Legalidade do ato administrativo compreende, não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos do direito e de fato. Tanto ilegal o ato que emane de autoridade incometente, ou como o que se baseia num dado que, por lei daria lugar a um ato diverso do que foi praticado. As inconformidades do ato com que os fatos que a lei declara pressupostos dele constitui ilegalidade do mesmo modo que o constitui a forma inadequada que o ato porventura apresente”22 Por fim, trazemos a análise de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça23, que se firmou no sentido de que a exigência editalícia quanto à apresentação de certidão negativa não pode ser levada a termo com o rigor que pretende demonstrar o edital, ao elencá-la como um dos requisitos para a aprovação e conseqüente posse do candidato. Isto porque, se porventura a certidão emitida em nome do candidato e apresentada oportunamente for positiva, demonstrando indícios de inidoneidade do candidato ao cargo público, este fato por si só não poderá ser suficiente para impedir a posse deste candidato, se aprovado nas demais etapas do certame. É o que aconteceu, na prática, com candidato que realizou concurso público para o cargo de auxiliar judiciário, mas cuja posse não se formalizou por ter sido declarado sem idoneidade moral para assumir o cargo, isto porque respondia pelos crimes de “formação de quadrilha” e “roubo qualificado”, e estes indícios foram declarados em sua certidão. De acordo com o órgão julgador originário, os fatos delituosos demonstrados na certidão foram amplamente divulgados na imprensa local, em ocasião da descoberta e indiciamento, tendo gerado um grande apelo social, o que levou a Administração a impedir a posse do candidato. O Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por seu turno, considerou à época que não obstante se tratar de ações penas ainda em curso, poderia perfeitamente a Administração se valer de sua discricionariedade e impedir a nomeação do candidato, por existir fatos concretos provados contra o candidato. Inconformado com a decisão e recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça, contudo, o candidato logrou êxito na sua alegação, e conseguiu parecer favorável da Sexta Turma daquela Corte, com voto da Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura, que mudou o rumo da decisão anterior. Segundo a Ministra, o art. 5º, LVII da Constituição Federal de 1988 não limita a aplicação do princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade tão somente no âmbito penal, mas seus efeitos também são extensivos à esfera administrativa, obviamente sob pena de se tornar a decisão que não o observa inconstitucional, ratificamos. Basicamente com estes argumentos, proveu, em parte, o recurso ordinário e concedeu declaração garantindo o direito à nomeação do impetrante ao cargo de Auxiliar Judiciário PJ-I, tudo conforme descrito no edital, ou em caso de sua transformação, no novo cargo que a este correspondesse. Importante registrar, ainda, que é freqüente o candidato ser excluído do concurso público, em decorrência da constatação da omissão de fatos no ato de sua inscrição, como, por exemplo, a existência do Inquérito Policial instaurado ou de informações que lhe são desfavoráveis. Nesse contexto, sendo do conhecimento do candidato que a omissão de fatos e, conseqüentemente, a violação do edital, acarretariam a sua desclassificação, não há que se falar em direito líquido e certo à nomeação pretendida. Esclarecedora, a esse respeito, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, pois, além de infringir norma expressa do Edital, viola, na condição de postulante a cargo público, o dever de lealdade à Administração. Nessa linha, irrepreensivelmente lógica, a douta Subprocuradoria – Geral da República, no MS nº 6.416 – Distrito Federal – manifestou-se pela denegação da ordem: “MANDADO DE SEGURANÇA. CONURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. NOMEAÇÃO. - O Edital é a Lei que rege o concurso. Assim o candidato se submete às regras nele consignadas. - A lei, ao exigir idoneidade moral inatacável dos candidatos visa assegurar o interesse público. - Parecer pela denegação da ordem.” Neste mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCRSO PÚBLCO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ELIMINAÇÃO. LEGALIDADE. - Se do edital do concurso consta a submissão dos candidatos a uma investigação social, de caráter eliminatório, e esta cláusula não foi previamente questionada, os resultados dessa fase não podem ser considerados ilegais, passíveis de reparação por mandado de segurança, à míngua de direito líquido e certo a proteger. - Recurso ordinário desprovido.” ( RMS 3171/MS, Rel. Min. Vicente Leal) III.3.4 Exclusão do certame de candidato com nome no spc e/ou serasa Uma das restrições editalícias mais polêmicas e que tem sido tema de diversas lides é, inquestionavelmente, a que se refere à exclusão sumária de candidato em concurso público por constar seu nome em ‘cadastros de restrição ao crédito’, tais como os conhecidos SPC e/ou SERASA, de maneira generalizada. Trata-.se, muitas vezes, de uma restrição imposta à própria participação em si do candidato nas etapas do concurso; noutras, no ingresso ao cargo, após a aprovação em todas as etapas. No que se refere ao primeiro caso, ou seja, ao ato que impede um cidadão de ‘simplesmente concorrer a determinado cargo público’, por via de concurso, seja ele qual for, configura ainda mais gravoso o afronto à legalidade, pois conforme já sabido e relatado neste trabalho, o momento legal de se exigir os preenchimentos dos requisitos de habilitação contidos no edital é o do ato da posse, e não o da inscrição. É de se registrar que este entendimento tem sido cada vez mais ratificado pelos Tribunais, os quais têm classificado como ilegal o ato de exigir tais cumprimentos editalícios já no momento da inscrição do concurso pelo candidato ao pretenso cargo público. Já no que tange à segunda hipótese, que se refere a candidato regularmente aprovado em concurso público em todas as etapas, mas cuja exclusão antecede a posse por motivo de investigação social e constatação de que seu nome consta em algum cadastro de restrição ao crédito, imposição esta condita no respectivo edital do concurso, também entendemos que persiste a ilegalidade na restrição taxativa, todavia, outros argumentos pendem para tal constatação. Não é à toa que diferentemente do particular, seja este pessoa física ou jurídica, a Administração Pública deve observar, na prática de seus atos, vários princípios que a regem e que a impõem a postura de preponderância diante do particular, tendo sempre como foco o interesse público, sob pena de não observar, dentre outros princípios, o da impessoalidade. Noutras palavras, não existe a Administração Pública para a realização de seus próprios interesses, mas tão somente para o alcance do interesse público, daí a sua obrigação de observar os princípios que a regem e os quais controlam e limitam o seu poder, a fim de evitar excessos ou desvios no que alude ao interesse colimado. Ademais, diante da complexidade que envolve a Administração Pública, haja vista o leque de interesses que esta engloba mediante a sociedade, não há que se questionar que o fato de generalizar seus atos, repetidamente e sem levar em conta especificidades, equivaleria a um verdadeiro ‘abismo jurídico’. Felizmente, a própria evolução do Direito e as decisões que emanam dos nossos Tribunais se incumbem de atualizar a aplicação da lei, coibindo que atos desprovidos de flexibilidade e cuja rigidez das leis o tornaram injustos ou ilegais sejam evitados ou invalidados. No caso em foco, em que um candidato ao ingresso em cargo público é excluído e considerado reprovado por ter, à época da posse, seu nome inscrito em cadastros de restrição ao crédito, se nos parece esculpido de total falta de razoabilidade por parte do administrador, característica esta que esboça o Princípio da Razoabilidade, dando-lhe a conseqüente configuração da ilegalidade. Pecará o administrador, se na prática de seus atos e imbuído do poder que detém, agir de maneira indiscriminada e reprovar todo e qualquer candidato que tiver seu “nome sujo”, conforme o termo vulgarmente utilizado, constatado por meio de certidões que são exigidas no edital do certame. A este propósito, há que se distinguir, e aqui entra o dever do administrador de aplicar o princípio da razoabilidade, entre o devedor contumaz que reiteradamente deixa de cumprir suas obrigações e compromissos os quais assumiu, mesmo sabedor de que não detém recursos para honrá-los, e que muitas vezes já se configura um verdadeiro estelionatário; e aquele outro devedor que, independentemente de sua vontade e/ou por razões momentâneas deixou de honrar alguns pagamentos, talvez pelo próprio fato de encontrar barreiras no mercado de trabalho, e por isso mesmo, ter se empenhado e obtido uma difícil aprovação em um emprego público. Ou seja, desclassificar este candidato, seja no ato da inscrição ou no ato da posse, seria uma maneira abusiva e totalmente infundada por parte do administrador, que ignorou a sua obrigação de observar os princípios que regem a Administração Pública, sobretudo o da razoabilidade. Vejamos uma recente decisão, proferida pelo Conselho Especial do TJDFT em 24 de março de 2009, que permitiu que uma candidata eliminada do concurso para Técnico Penitenciário, na fase de Sindicância e Vida Pregressa, continuasse participando da seleção. Por unanimidade dos votos, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF confirmou a liminar proferida no mandado de segurança ajuizado pela impetrante no sentido de anular o ato que a eliminou do concurso por ter restrição cadastral, vejamos: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO PENITENCIÁRIO. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO ACOLHIMENTO. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. DÍVIDAS E CHEQUES SEM FUNDOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE INIDONEIDADE OU AUSÊNCIA DE CONDUTA ILIBADA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. Se os documentos que acompanham a inicial são suficientes para demonstrar a suposta ilegalidade, não há falar-se em ausência de prova pré-constituída ou de direito líquido e certo, razão pela qual admissível o presente mandamus. Embora lícita a fase do concurso de Técnico Penitenciário denominada Sindicância de Vida Pregressa e Investigação Social, a Administração deve ter sempre em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como observância a todo o sistema de garantias constitucionais, a fim de evitar larga margem ao arbítrio que as avaliações subjetivas propiciam. Fundando-se o ato administrativo impugnado na emissão, pela impetrante, de cheques sem a devida provisão de fundos, indiscutível a violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois tal fato, por si só, sem a devida apuração de todas as circunstâncias que levaram a candidata a assunção de tais dívidas, não é capaz de denotar que possuía inidoneidade moral ou tenha condutas não ilibadas”.(20080020154146MSG, Relator CARMELITA BRASIL, Conselho Especial, julgado em 24/03/2009, DJ 06/04/2009 p. 28) A candidata aprovada no concurso público para o cargo de Técnico Penitenciário foi contraindicada na fase de Sindicância e Vida Pregressa, tendo em vista inscrição nos órgãos de proteção ao crédito. Por conta disso, impetrou ação na Justiça contra o ato que a excluiu do concurso na referida fase. O concurso cujo edital foi lançado em novembro de 2007 era composto de duas etapas, sendo que a primeira subdividia-se em quatro fases: 1) prova objetiva; 2) prova de aptidão física; 3) sindicância de vida pregressa e investigação social; 4) avaliação psicológica. A segunda etapa compreendia o Curso de Formação Profissional. Embora tendo sido aprovada nas duas primeiras fases da primeira etapa , a candidata fora contraindicada na terceira etapa por haver 11 registros de cheques sem fundos em seu nome no ano de 2005. Ocorre que, para o Distrito Federal, a emissão de cheque sem fundos denota descontrole financeiro, atentando contra a ordem pública e configurando ilícito penal. Deste modo, a autoridade coatora impetrada, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, prestou informações e sustentou que o candidato deve ter idoneidade moral inatacável, sendo esse o requisito exigido no edital regulador do certame, bem como na Lei Distrital nº 3669/2005, que criou a carreira de atividades penitenciárias. Porém, ao proferir o voto, a relatora discordou da posição do Distrito Federal no sentido de que a autora costumeiramente emitia cheques sem fundos, já que as cártulas que ensejou a inscrição datam de 2005, momento em que se encontrava desempregada. "Não observo que a impetrante tentou locupletar-se", sustenta a relatora no voto. Ainda no julgamento, a desembargadora disse que a administração não deu oportunidade para a candidata explicar como adquiriu as dívidas, considerando-a inidônea de pronto. "Tais fatos não têm o condão de abalar a moral ou tirar a idoneidade do candidato", assegurou no voto. Neste sentido, vejamos também a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em processo no qual estava objetivando a autora permissão para freqüentar curso de formação, sob a alegação de que tendo prestado concurso público para o cargo de Escrivão de Polícia e obtido classificação que a habilitava a prosseguir no certame, foi dele eliminada por estar seu nome inscrito no cadastro da SERASA (instituição de proteção ao crédito): CONCURSO PÚBLICO. Candidata alijada de concurso público para o provimento do cargo de Escrivã de Polícia ante o argumento de estar inscrita no SERASA por compromissos pecuniários assumidos e não adimplidos. Emissão de cheques sem provisão de fundos. Justificativas apresentadas que demonstraram incapacidade temporária para a solução das dívidas, inclusive com grave problema de doença familiar. Interpretação do edital do concurso, que se erige como lei para todos os partícipes. Incidência, na espécie, dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de arrostar a decisão administrativa impeditiva de prosseguir no certame. Precedente desta Corte. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. (AC N 70002436368. 3ª CÂMARA CÍVEL TJRS, REL. DES. AUGUSTO OTÁVIO STERN) Reportando-nos à defesa do candidato, não restam dúvidas de que este deverá se valer do pré-citado princípio da razoabilidade24, o qual se furtou de observar o administrador quando da exclusão daquele do certame público, e intentar uma ação de conhecimento e mandado de segurança para conter o abuso da autoridade e reaver o seu direito de ser nomeado e tomar posse do cargo público. Vejamos, ainda, um trecho do voto do Desembargador Otavio Augusto Stern, na supra-mencionada Apelação Cível, que demonstra com exatidão a injustiça deste tipo de restrição: “Aceitar tal argumentação implicaria em deixar ao desamparo total aqueles que mais necessitam, jogando-os em uma petição de princípio: porque está desempregado e precisa sobreviver, contrai dívidas; se possui dívidas não pode assumir um emprego (no caso, público), permanecendo desempregado e contraindo dívidas…”. Aproveitando a oportunidade para transcrever outra decisão proferida pela egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul , em processo análogo, no qual a Administração estava determinada a alijar a demandante do certame para Escrivão de Polícia, após aprovação na fase objetiva e na de capacitação técnica, sob o fundamento de que reprovada na Fase Moral e Social da Sindicância da Vida Pregressa (fase de caráter eliminatório segundo o Edital). Em face da existência de cheques sem a devida provisão de fundos e conseqüente cadastro no SERASA, o Conselho Superior de Polícia concluiu pela inaptidão da concorrente, sendo que o Estado fundamenta sua defesa no poder discricionário da Administração: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CONCURSO PARA INGRESSO NA CARREIRA DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA, 1ª TURMA DE NÍVEL SUPERIOR. EDITAL N.º 029-98. APROVAÇÃO NAS TRÊS ETAPAS DO CERTAME. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA. DÍVIDAS. IMPEDIMENTO DE FREQÜENTAR O CURSO DE FORMAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DEFERIMENTO DE LIMINAR. MÉRITO PELA DENEGAÇÃO NA ORIGEM. PROVIMENTO. APELAÇÃO PROVIDA. CONCESSÃO DA ORDEM. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70001495092, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. WELLINGTON PACHECO BARROS, JULGADO EM 01/11/2006) Veja-se que tal aspecto concernente ao abuso de autoridade fora bem salientado pelo eminente Desembargador Wellington Pacho Barros, na decisão supra referida, cujo trecho reproduz-se a seguir: “(...) a discricionariedade da Administração na análise da vida pregressa do candidato não pode ir ao ponto que foi. “E o fato de constar essa exigência nos artigos 6º, § 3º, e 11, da Lei n.º 10.728-96 e artigo 31 do Decreto n.º 37.419-97 não faz da Administração a julgadora do que seja ou não mácula para vedar o acesso aos cargos públicos. (...) A situação poderia ser diversa se o fato de o impetrante ter dívidas estivesse elencado na lei como fato impeditivo ao acesso dos cargos públicos. E não está, como se pode comprovar pelo seu exame, às fls. 83-98 e, especialmente, à fl. 94, sobre a sindicância da vida pregressa.” Nesse mesmo sentido se deu o (brilhante) parecer ministerial exarado pelo Procurador de Justiça, DR. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO que oficiou no processo, “infra” reproduzido sob aplausos , verbis: “(...). 3. Alijado do concurso para o cargo de Escrivão de Polícia em razão da sindicância sobre a vida pregressa por decisão do Conselho Superior de Polícia, o recorrente impetrou o presente mandado de segurança visando garantir o seu alegado direito de acesso ao curso e ao cargo. Malsucedido, recorre insistindo em seus argumentos. 4. Na sindicância realizada sobre a vida pregressa do candidato, foi constatado pelo Conselho Superior de Polícia o seguinte: “restou demonstrado que o mesmo apresenta antecedente policial, por violação de domicílio, títulos protestados, atingindo a cifra superior a R$13.000,00, pendências bancárias da ordem de R$727,27, cheques sem fundos, em números e valores não perfeitamente definidos, fatos que omitiu no questionário específico.” (v. fl. 165). No que tange ao antecedente policial, restou claro que o autor é inocente, tendo em vista as certidões por ele juntadas (v. fls. 130 à 141). Ademais, não existe processo contra o autor por violação de domicílio (v. fl. 19). No que tange aos títulos protestados, o fato de ser o autor obrigado por dívida vencida, que inclusive foi posteriormente renegociada, não é motivo de reprovação em prova de capacitação moral, pois esta é a situação de milhares de brasileiros honestos, que não conseguem quitar suas dívidas face a usura instalada no país pelas instituições de crédito e assemelhados. Portanto, o fato do autor contrair dívidas não é motivo para ser excluído do certame por falta de capacidade moral. Ademais, ficou comprovado que o não pagamento dos compromissos assumidos foi devido à demissão ocorrida em 11-8-1998 (v. fl. 38), o que é perfeitamente explicável, tendo em vista o abalo que causa nas vidas das pessoas a perda de um emprego. O fato do autor possuir dívidas não é indicativo de falta de “capacidade” moral. (...) “5. A Constituição Federal prevê em seu artigo 37, inciso I, o direito de acesso aos cargos públicos: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei...” Já no inciso II do mesmo artigo, está expresso a forma de acesso aos cargos públicos: “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso publico de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei...“. No artigo 5º, § XXXV, está disposto que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.” Dos artigos mencionados, concluímos que o autor preencheu os requisitos estabelecidos em lei para o ingresso ao cargo público. O critério para a sua eliminação foi sua conduta moral, considerada inadequada para o cargo, consubstanciada nas dívidas contraídas após a demissão de seu antigo emprego. Em dizer que é imoral conduta que, segundo o senso comum e o princípio da razoabilidade, não o é, a Administração está indo muito além em sua reconhecida discricionariedade. Consagrado o seu entendimento teremos concretamente a violação do direito de acesso aos cargos públicos e a violação de um direito social basilar em nossa sociedade: o direito ao trabalho. 6. Isto posto, a manifestação do Ministério Público de segundo grau vai no sentido de que seja provido o recurso, concedendo-se a ordem. (...)” Neste sentido também a decisão da Quarta Câmara Cível do TJRS , na apelação cível n.º 596009126: “Concurso Público. Policia Civil. Candidato que já é policial militar reprovado na prova de capacitação moral. Em principio, tem o Estado o direito-dever de auscultar a vida pregressa dos candidatos a concurso público, a fim de avaliá-los moralmente. Todavia, se o candidato já é soldado PM, sendo irrepreensível a sua ficha funcional, revela-se discriminatória a decisão que o reprovou por meros débitos no SPC. Ação procedente. Sentença mantida. Apelo desprovido, prejudicado o reexame necessário. (TJRGS. APC 596009126, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Ramon Georg Von Berg. J. 03-04-96. Origem: Porto Alegre). III.4. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA III.4.1 Exagero no esforço físico Tema relevante, o que tem sido vetado pelo Judiciário, consiste no exagerado critério adotado pela Administração, por ocasião da prova de aptidão física. É verdade que não se pode afastar o exame de esforço físico do certame de certos cargos, por exemplo, agentes de polícia, mas por outro lado, revela-se um exagero a eleição de um índice duvidoso, que só os bem dotados fisicamente e os super atletas, lograrão obter êxito. Não é razoável ao administrador, sem nenhum critério científico, conferir a essa prova o caráter eliminatório, se o candidato não atingisse a distância mínima a ser percorrida no teste físico de corrida, de 2.200 metros em 3 (três) minutos. Há necessidade do esforço físico para o concurso em causa, só que o critério adotado pela Administração é extremamente exagerado. Há testes que não se prestam a comprovar a capacidade física dos candidatos para o desempenho das atribuições do cargo, devendo, em assim, ser invalidado tal ato. O mandado de segurança é meio idôneo para declarar nulo o ato administrativo que exclui o concursando, quando os critérios adotados para aferição da capacidade física, constituem atentórios ao princípio da razoabilidade e da finalidade. Em que pese seja legal a realização do teste de capacidade física, resta aferir a legalidade e legitimidade dos critérios adotados para a verificação da capacidade física dos candidatos. A prova da capacidade física consistindo tão-somente “flexões em barra” de caráter eliminatório, afigura-se ilegítima, não atendendo a interesse público. Inconteste que “flexões em barra” não são suficientes para comprovar aptidão física ao exercício das funções atinentes ao cargo de Agente Policial. É lógico que os critérios para verificação da capacidade física devem ser definidos pela Administração, não cabendo ao Judiciário adentrar na discricionariedade e conveniência da comissão do concurso. Contudo, mesmo quanto aos elementos discricionários do ato há limitações impostas pelos princípios gerais do Direito e pela moralidade administrativa. O edital é a lei do concurso, contudo, deve ser elaborado obediente à lei regedora dos certames e os princípios da legalidade, impessoalidade e publicidade. A margem de autonomia do administrador nos limites legais, não pode transmudar a discricionariedade da conveniência e oportunidade, em arbitrariedade. Por conseguinte, ao normatizar o exame de capacidade física, fica vedado ao administrador incluir testes esdrúxulos e anômalos. Assim, agindo desse modo fere o princípio do artigo 37, da Constituição Federal. Declara-se nulo o ato administrativo que exclui candidato do processo seletivo, quando os critérios adotados para aferição de capacidade física constituírem atentados aos princípios da razoabilidade e da finalidade. Os testes físicos que não se prestam a comprovar a capacidade física dos candidatos para o desempenho das atribuições do cargo devem ser invalidados. Em que pese seja legal a realização do teste de capacidade física, resta aferir a legalidade e legitimidade dos critérios adotados para a verificação da capacidade física dos candidatos. Hipoteticamente, a prova de capacidade física consistindo, única e exclusivamente, em flexões em barra, de caráter eliminatório, afigura-se ilegítima, eis que atenta contra o princípio da razoabilidade e caracteriza desvio de finalidade, ao passo que não atende ao interesse público. Inconteste que flexões em barra não são suficientes para comprovar aptidão física ao exercício das funções ao cargo. É lógico que os critérios para a verificação da capacidade física devem ser definidos pela Administração. Contudo, mesmo quanto aos elementos discricionários do ato há limitações impostas pelos princípios gerais do Direito e pelos ditames do bom senso. III.4.2 Gravidez Caso interessante, verídico, ocorreu por ocasião da inscrição no concurso público para cargo de Delegado de Polícia. Aprovada, foi convocada a prestar prova de esforço físico. Porém, a candidata descobriu que se encontrava grávida de três meses, tendo sido aconselhada, por junta médica, a não fazer qualquer espécie de esforço, já que, anteriormente, havia sofrido dois abortos espontâneos. Diante desta situação, a candidata procura o Diretor da Academia de Polícia, órgão responsável pela organização do concurso, requerendo a segunda chamada do exame físico. No caso enfocado, o Diretor não pode indeferir tal pedido da concursanda, com o objetivo de obstar sua exclusão do concurso, do qual foi considerada inapta em exame médico. Há quem entenda que não há direito líquido e certo a ser amparado, pois os concursos públicos não poderiam desobedecer o cronograma traçado pela Administração Pública, dada a necessidade de esperar o fim da gravidez a fim de facultar-lhe outra oportunidade. Mas, na realidade, a proibição a curso de formação à mulher grávida, em função de sua inaptidão em exame médico, constitui atentado à condição de mulher, o que significa ofensa ao art. 7º, XXX, da Constituição Federal, bem como, ainda desprezo à proteção especial do Estado, de que deve gozar a família e maternidade, em conformidade com o art. 226, do Texto Maior...25 É inconstitucional impedir que a mulher grávida prossiga no certame em razão desta condição a impossibilitar de prestar o teste de capacidade física. Considerar a gravidez como fator incapacitante é discriminar por sua condição de mulher. Neste sentido já se manifestou o Tribunal Federal Regional, verbis: “Concurso Público. Carreira Policial Federal. Candidata em estado de gravidez na data da realização do teste de esforço físico. É inconstitucional, pois impede a candidata grávida de prestar o teste em segunda chamada” TRF – 1ª Região – Proc. 00109601 – Rel. Leão Aparecido Alves. Ainda discorrendo sobre exame físico há que se fazer o registro de uma liminar concedida, em face do INSS, confirmada pelo Tribunal Regional Federal, da 5ª Região, a candidata aprovada no concurso público federal para provimento de cargo de analista previdenciário, que ao ser submetida a exame físico admissional foi considerada “inapta” no próprio instituto, em função da gravidez de alto risco. O que exige a lei 8112/90 para posse do servidor, é a sua aptidão física e mental para o exercício do cargo, demonstrada por meio de prévia inspeção médica oficial (art. 14, Lei 8.112/90). Se verificado, em razão de circunstancias particulares – gravidez de alto risco – que o empossando não pode submeter-se a esforço físico, não enseja a sua reprovação, por se constituir incapacidade, mas mera situação transitória que impede a realização de determinadas atividades. Desigual seria retirar da candidata em tal circunstância o direito ao cargo que conquistou, como se fosse a gravidez um estado patológico que inviabilizasse a própria participação no concurso. Além de que o seu estado de saúde delicado está intrinsecamente relacionado com o seu estado de gravidez, sendo este equiparado à força maior, não constituindo doença geradora de inaptidão física ou mental, máxima em se considerando que a limitação natural aos esforços físicos durante o período de gestação não constitui justa causa para o impedimento da posse, haja vista que o cargo para o qual a candidata prestou concurso – Analista Previdenciário – não exige o requisito de exuberante condição física para o exercício das atribuições a ele inerentes (inteligência do art. 5º inc. VI e § 1º, da Lei 8.112/90). Acresce-se a isso, o fato que a Constituição Federal veda todas as formas de discriminação, inclusive contra a Mulher. O Tribunal Federal de Recurso, 2ª Região Rel. Tânia Heine, assim se manifestou: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – CONCURSO PÚBLICO - GRAVIDEZ – POSSE – RECUSA – MANDADO DE SEGURANÇA. A licença à gestante é um direito e a gravidez não pode se transformar em fato para prejudicar a mulher, fazendo com que seja considerada inapta em exame de saúde admissional e redundando no adiamento da posse em cargo público. (TRF2; AMS 22714/RJ) Semelhante decisão a seguinte, do TRF da 4a Re­gião, verbis: "Administrativo. Mandado de segurança. Remessa oficial. Direito de prestar prova física de concurso em dia diverso do deter­minado. Liberdade de crença religiosa. 1. Tratando-se de prova fí­sica, sem necessidade de sigilo ou simultaneidade, não há prejuízo ao interesse público, nem ao procedimento do concurso, se por força de liminar a impetrante realizou a prova em momento não conflitante com sua crença religiosa, por pertencer à igreja adventista do sétimo dia, que tem o Sábado como dia de guarda. 2. Res­guardo do princípio constitucional que assegura a liberdade de crença e de consciência, bem como aqueles que regem a administra­ção quando se trata de concurso público. 3. Remessa Oficial improvida" (Proc.: REO 0409256-95/RS, Tribunal: TR4, Turma: 04, REL. JUIZ: Juíza Silvia Goraieb, Decisão: 12/12/1995, unânime, DJ 24/01/96, PG: 02506) (grifamos). III.4.3 O contrasteamento judicial da prova de aptidão física Não há que se negar que o resultado do exame de aptidão física de candidato a cargo público possa ser submetido ao constrasteamento judicial, sob o crivo do contraditório, em consonância com o dispositivo constitucional contido no art. 5º, XXXV. É este o entendimento da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo acórdão se lê a seguir: CONCURSO PÚBLICO – EXAME FÍSICO – DECLARAÇÃO DE INAPTIDÃO DA CANDIDATA – PROVA PERICIAL – Nada impede que o resultado de exame físico realizado em candidata a cargo público seja submetido a contrasteamento judicial, em observância do preceito expresso no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, devendo a impugnação da respectiva conclusão realizar-se com parâmetros técnico-periciais. Prova pericial produzida sob o crivo do contraditório que atesta a aptidão física da autora para o cargo de merendeira. Improvimento ao recurso. (AC Nº 2008.001.00659 – Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de janeiro. Relator: Des. EDSON VASCONCELOS) A análise do caso em tela teve como autores o Município do Rio de Janeiro e candidata a cargo de merendeira, que ao se submeter aos exames habituais de concurso público, foi considerada inapta fisicamente para exercer o cargo pleiteado, não obstante a sua aprovação nas demais etapas do certame. Inconformada, buscou na justiça a anulação do ato administrativo que concedeu a sua inaptidão para o cargo, aduzindo prova pericial sob o crivo do contraditório que, ao contrário do laudo de exame físico, confirmou sua plena condição para exercer o cargo. Considerando o novo laudo com parâmetros técnico-periciais, o juízo de primeiro grau concedeu sentença favorável ao pleito da autora, declarando nulo o ato administrativo que a considerou inapta. Em apelação, o ente municipal alegou que a inaptidão física da autora se deveu à constatação de problemas físicos deflagrados por peritos especialistas em medicina do trabalho, argumento este que foi rechaçado pela Décima Sétima Câmara Cível no julgamento do recurso. Em seu voto, o relator assevera que nada obsta que o resultado de exame de aptidão física, realizado em candidata a cargo público, seja submetido ao contrasteamento judicial, em homenagem ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, e que a impugnação deve se ter os parâmetros técnico-periciais. Ressaltou, ainda, que as moléstias apontadas como impeditivas não encontravam previsão no edital como motivadoras de incapacidade para o cargo, e a alegação destas como fato impeditivo de aprovação torna arbitrária atividade administrativa eminentemente vinculada.Com isso, foi negado o provimento da apelação e mantida a sentença. III.5 PONTOS POLÊMICOS RELACIONADOS AOS EXAMES FÍSICOS, DE SAÚDE E ANTROPOMÉTRICOS III.5.1 Silicone nos seios Hipótese interessante foi a da candidata, em Minas Gerais, que se inscreveu no concurso, sendo aprovada na 1ª fase – prova de conhecimentos - mas excluída nos exames preliminares de saúde, em razão de possuir prótese de silicone nos seios. Essa reprovação não passa pelo crivo do critério da razoabilidade, visto que a prótese implantada operacionalizou-se apenas por motivos estéticos e não para a substituição de órgão perdido total ou parcialmente, em razão de “doenças ou deformidades congênitas adquiridas”, o que não a torna inapta, no caso, para a atividade policial. O ato que a exclui do processo seletivo é ilegal e discriminatório, uma vez que a candidata não é portadora de qualquer distúrbio que a impeça para o exercício das funções do cargo. Conseqüência, o Poder Público violou os arts. 37, I e II, 39, § 3º, da Constituição. Há possibilidade de estabelecer requisitos diferenciados de admissão de servidores quando a natureza do cargo admitir. Com efeito, os art. 37, I e 39, § 3º, da Constituição Federal conferiram à Administração Pública a possibilidade de estabelecer requisitos diferenciados de admissão de servidores quando a natureza do cargo admitir. Ocorre que, in casu, considerando que o critério específico referente à prótese de silicone impõe-se analisar as circunstâncias e especificidade do caso concreto em análise, para se estabelecer a razoabilidade da exigência, sob pena de se infringir os princípios da legalidade, isonomia, moralidade, eficiência e acessibilidade aos cargos públicos que regem a Administração Pública. Considerando que a candidata apresenta prótese de silicone em caráter estético, isso, a princípio, não torna inapta para atividade policial. É forçoso reconhecer, o caso específico, a prática de ato contra o princípio de acessibilidade aos cargos públicos e, repita-se, contra os princípios da legalidade, isonomia, moralidade, e eficiência, que regem a Administração Pública. III.5.2 Altura mínima Assente a doutrina e a ju­risprudência que tal requisito só poderá ser estabelecido quando a natureza do cargo o exigir. "Administrativo. Recurso em mandado de segu­rança. Polícia Militar de Minas Gerais. Concurso público. Cargo de Oficial de Saúde, l. E inconsti­tucional a exigência editalícia de estatura mínima para candidato a cargo de Oficial de saúde da Polí­cia Militar de Minas Gerais. 2. Tal requisito, im­posto apenas para ingresso na Corporação como praça, não guarda compatibilidade com o Estatu­to do Pessoal da Polícia Militar daquele Estado (Lei n° 5.031/69, art. 5°)" (RMS n° 1.643-MG, STJ, 2a Turma, Rei. Min. Peçanha Martins). "Concurso público. Fator altura. Caso a caso, há de perquirir-se a sintonia da exigência, no que im­plica fator de tratamento diferenciado com a fun­ção a ser exercida. No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de altura mínima, considerados homens e mulheres, de um metro e sessenta para a habilitação ao cargo de es­crivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado" (RE n° 150.455-MS, STF, 2a Turma, Rei. Min. Marco Au­rélio). "Concurso público. Agente de polícia. Altura mí­nima. Viabilidade. Em se tratando de concurso público para agente de polícia, mostra-se razoável a exigência de que o candidato tenha altura míni­ma de l,60m. Previsto o requisito não só na lei de regência, como também no edital de concurso, não concorre a primeira condição do mandado de segurança, que é a existência de direito líquido e certo. Na hipótese dos autos, o discrímen mostra-se próprio à função a ser exercida. Na carreira policial, exsurge com peculiaridades próprias a função de agente de polícia. Enquanto, por exemplo, o cargo de escrivão não exige, em si, es­tampa que se mostre até mesmo intimidadora, no caso de agente tem-se justamente o contrário, em face a uma atuação que pressupõe, à primeira vi­são, respeito aos cidadãos em geral. Assim, não há como considerar discrepante da ordem jurídica em vigor, legislação que imponha aos candidatos ao cargo altura mínima de l ,60m. Pouco importa que, na espécie, tenha-se o envolvimento de can­didata do sexo feminino. A altura mínima exigida mostra-se média, em relação aos padrões brasilei­ros. Daí a inviabilidade de vislumbrar-se inconstitucionalidade na Lei Complementar n° 38/89 do Estado de Mato Grosso do Sul" (RE n° 148.095-MS, STF, 2a Turma, Rei. Min. Marco Au­rélio). O candidato pode ser eliminado do concurso, por ter sido considerado inapto em função de possuir a altura mínima exigida, hipoteticamente, de 1,65m (um vírgula sessenta e cinco metros) para o ingresso a Polícia Militar. Análise de um caso concreto. Candidato a oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foi aprovado em todas as etapas do certame, tendo sido eliminado, porém, por ter 1,67 m e meio de altura, quando o edital exigia 1,68 m. Pode a Administração Pública, sem dúvida determinar os critérios de seleção dos candidatos ao cargo de policial militar, fixando, inclusive, as condições físicas necessárias para o exercício da função. O edital é a lei interna do concurso. Todavia, não exclui que um mínimo de razoabilidade na aplicação das regras nele contempladas seja dispensado. O candidato vê-se tolhido pela rígida aplicação de norma contida no edital, que foge ao bom senso, pois implica na eliminação de candidato por uma diferença de meio centímetro para a altura exigível, o que, certamente, não irá interferir no desempenho como policial militar, não se figura lógico e razoável o exagero na aplicação da norma edilícia, principalmente, ao ser aprovado nas demais etapas do certame, demonstrou aptidão para função. Logo, a presunção de legitimidade dos atos administrativos é relativa. No estudo de outro caso semelhante, também julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entre tantos outros recursos que tramitam nos Tribunais com esta mesma controvérsia, um candidato ao ingresso nos quadros da Polícia Militar foi reprovado em razão de não ter preenchido o requisito da altura mínima exigida no edital do certame, qual seja, 1,68 m, por uma ínfima diferença de aproximadamente 0,004cm. Apelação Cível. Mandado de Segurança. Princípio Constitucional implícito da razoabilidade. Concurso público para ingresso nos quadros da Polícia Militar. Altura mínima exigida pelo edital do certame. Exame antropométrico. Candidato reprovado por não atingir a estatura exigida (1,68m), embora apresentasse diferença desprezível (aproximadamente 0,004 cm) e ter atingido, em algumas das diversas medições realizadas, o estabelecido na “lei” do concurso. Fere a razoabilidade medida tomada pela Administração ao não permitir o prosseguimento do candidato no concurso para ingresso na carreira policial, pelo fato de seu exame antropométrico, como bem salientado pelo douto julgador a quo, ter apresentado diferenças insignificantes e, em algumas das várias medições realizadas, até mesmo ter atingido o exigido pelo Edital. “Deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas, sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, com também com a moral administrativa e com o interesse coletivo” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 6ª. ed.,pág. 294). (TJRJ AC 2007.001.08810. Relator Ministro Nagib Slaibi). O caso em questão se refere à Ação de Mandado de Segurança impetrada pelo candidato eliminado do concurso da Polícia Militar, com sentença de juiz da 8ª. Vara de Fazenda Pública favorável a seu pedido, e, seqüencialmente, com a Apelação Cível do impetrado, Estado do Rio de Janeiro, que buscou reformular a decisão de primeiro grau. Em suas alegações, reage o apelante com a negativa de ter havido por parte do apelado a “comprovação incontestável das alegações de discriminação, perseguição e arbitrariedade”, e aduz que aquele apenas juntou aos autos o exame antropométrico, donde se pode constatar não possuir o candidato, de fato, a altura mínima exigida pelo edital do concurso. Ratifica ainda que o referido exame para a medição da altura dos candidatos foi realizado por aparelho atestado pelo IPEM/RJ, e ainda sob a fiscalização de professores de educação física com experiências em concursos públicos e capazes de identificar eventuais tentativas de burlar as normas do concurso público. Por tal motivo, entende que não se justifica que o juízo de 1º grau tenha preterido o resultado da banca examinadora ao resultado apresentado pelo apelado. E, ainda, que esta conduta não é correta em sede de mandamus. Sintetizando sua alegação, lembra o apelante que o Edital do concurso possui força vinculante, e que a exclusão do apelado do certame se coadunou com os termos deste, não sendo lícito estabelecer exceção destas regras em benefício de algum ou alguns candidatos, sob pena de se infringir os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, os quais norteiam, junto a outros princípios, os atos da Administração Pública. Enfatiza ainda o Apelante que a substituição da sua decisão pela decisão judicial, de acatar a sentença em foco e destinar o preenchimento de uma vaga ao candidato que, segundo o termos do Edital, não alcançou a aprovação em todos os seus requisitos, contraria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Uma vez que as regras do edital estabeleceram uma altura mínima a ser apresentada pelos candidatos, sob pena de eliminação do concurso, diz o Apelante que acatar a classificação imposta pelo Judiciário de candidato cuja altura apenas se aproxima à estabelecida no edital, abriria, por fim, precedente a todos os candidatos que fossem reprovados pelo mesmo motivo, levando todos a adquirirem o direito a tal aproximação, causando uma arbitrariedade e desequilíbrio da igualdade de contratação, um dos requisitos do concurso público. Por fim, e não menos relevante, relembra o Apelante que se insere na esfera de mérito administrativo os critérios utilizados pela Administração Publica para o recrutamento de policiais, sendo defeso a apreciação destes critérios pelo Poder Judiciário. Além disso, a suposta substituição do examinador pelo Judiciário viola o disposto no art. 2º da Constituição Federal, qual seja, a independência e a harmonia dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O Ministro Relator, Desembargador Nagib Slaibi, por seu turno, conhecendo o recurso pela presença de seus pressupostos e de sua admissibilidade, principia seu voto alertando que a sua obrigação, enquanto órgão julgador, se atrela tão somente a analisar e motivar os pontos essenciais aos deslindes da questão, e não necessariamente todos os argumentos trazidos pelo apelante. Neste sentido, passa a considerar em sua análise a razoabilidade ou não da Administração Pública em vetar o prosseguimento do candidato nas avaliações para o ingresso na carreira policial, em razão da sua altura não ter alcançado o estabelecido no edital por insignificante diferença em algumas medições realizadas, e ter atingido o exigido em outras. O Ministro Relator faz, logo de início, menção às características que imperam de forma harmoniosa e sem hierarquia no Estado Democrático de Direito, que são a legalidade, que se refere ao Estado de Direito, e a legitimidade, atrelada ao Estado Democrático. Reconhece também o Ministro a licitude a qual vem recaindo sobre a exigência da altura mínima para o ingresso nos quadros da Polícia Militar, pois as atribuições inerentes exigem altura indispensável para atuar em favor da coletividade, principalmente no exercício da polícia preventiva. Esta exigência vem merecendo a tutela dos Tribunais, e em especial do Supremo Tribunal Federal. É de se ressaltar, contudo, que a posição do Supremo em tutelar a exigência de altura mínima tem como requisito a existência de base legal para tanto no edital do certame, o que já foi ratificado em decisão daquela Corte: CONCURSO PÚBLICO – AGENTE DE POLÍCIA – ALTURA MÍNIMA – VIABILIDADE. Em se tratando de concurso público para agente de polícia, mostra-se razoável a exigência de que o candidato tenha altura mínima de 1,60m. Previsto o requisito não só na lei de regência, como também no edital de concurso, não concorre a primeira condição do mandado de segurança, que é a existência de direito líquido e certo. (grifos sobre o original). (RE nº 149095/MS. Rel. Min. MARCO AURÉLIO). Contudo, assevera o relator em seu voto, que não obstante o dever do administrador público com relação aos princípios da legalidade e finalidade na prática de suas condutas, não há que se negar que os atos administrativos, ainda que vinculados, devam ser processados dentro dos parâmetros da razoabilidade, selados com as características da racionalidade e da sensatez. E não poderia ser de outra forma, em se tratando de atos provenientes da Administração Pública, pois no âmbito do Poder Público, o que não é razoável não é moral, e tampouco pode ser legal. Daí ser indissociável, dentro deste contexto, os princípios da legalidade, razoabilidade e moralidade. De fato, não se vislumbra hipóteses em que a Administração Pública, na prática de seus atos, se valha tão somente da legalidade, mas ignore a razoabilidade e a moralidade administrativas. Ademais, traz ainda o relator a consideração de que razoabilidade e racionalidade são hoje princípios embutidos no ordenamento constitucional brasileiro, imputando-se tanto à Administração Pública quanto ao Poder Legislativo as suas observâncias, na edição de atos administrativos e na elaboração de leis, respectivamente, sob pena de impugnação do Poder Judiciário a falta de suas observâncias. Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Alexandre de Moraes perfilham deste mesmo entendimento em suas obras de Direito Administrativo e Constitucional, respectivamente, o qual extraímos os textos que se seguem: “O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade (arts. 5º. LXXIII, e 37).26 “Deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade so ato administrativo, mas, sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também a moral administrativa e com o interesse coletivo”27 Outro administrativista cuja lição merece ser trazida à baila dentro deste contexto é Hely Lopes Meirelles: “a moralidade administrativa integra o Direito como elemento indissociável na sua aplicação e na sua finalidade, erigindo-se em favor de legalidade”28 Por fim, a fim de embasar a sua conclusão no sentido de que o caso em análise foi revestido de um visível extremismo que foge aos parâmetros do que é razoável, quando da decisão do Estado do Rio de Janeiro em eliminar candidato em concurso público por uma ínfima diferença de 0,004cm em relação à estatura exigida no edital do certame, traz uma decisão do Tribunal de Minas Gerais que corrobora seu entendimento: MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – BOMBEIRO MILITAR – ESTATURA MÍNIMA – EXIGÊNCIA DE UM CENTÍMETRO A MAIS – EXCLUSÃO DA CANDIDATA – DISCRIMINAÇÃO VEDADA PELA ORDEM CONSTITUCIONAL - “MANDAMUS” – CONCESSÃO. A exclusão da candidata, por ter, em termos de altura, um centímetro a menos do que o mínimo exigido, além de discriminatória, não tem o condão de aferir sua capacidade para o desempenho do cargo. Ademais, se ela tem condições físicas que a habilitem ao exercício do cargo, inoportuna é sua exclusão do concurso por motivo de insuficiência mínima de altura. Cabe ao Judiciário rever os atos administrativos afrontadores do princípio da razoabilidade”. (TJMG – Ap. 1.0000.00.323434-1/000 – Relator Desembargador Hiparco Immesi – 18/11/2007). Com isso, considera cabalmente abusiva a decisão do Apelante, ao eliminar o candidato de concurso público por insignificante diferença de sua altura em relação à exigida no edital, sobretudo pela afronta ao princípio da razoabilidade, que impera juntamente com o princípio da legalidade, e em iguais proporções de importância, na prática de atos administrativos. Sendo assim, nega provimento do recurso interposto pelo Estado do Rio de Janeiro, que objetivou reformar a sentença que concedeu a segurança ao candidato, garantindo a sua permanência nas demais fases do concurso público e ignorando a sua reprovação na aferição da altura mínima exigida no edital do certame. Ainda cabe mencionar que a Constituição Federal proíbe a discriminação decorrente de preceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas. As restrições provenientes dos requisitos impostos, pela lei ou pelo edital, devem ser examinadas e interpretadas com acuidade e cautela. Há que predominar o critério da razoabilidade e não o capricho do administrador. Hipoteticamente, em se tratando de concurso público pra escrivão de polícia não é proporcional nem razoável em face da natureza o cargo, a exigência de altura mínima. Neste sentido o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que: “Concurso Público. Altura mínima. Requisito. Tratando-se e concurso para o cargo de escrivão de polícia, mostra-se desarrazoada a exigência de altura mínima, dadas as atribuições do cargo, para as quais o fator altura é irrelevante. Procedente (RE nº 194.952MS, 1ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie)”. O exercício da função, positivamente, não depende única e exclusivamente da altura, nem a questão da estatura está necessariamente ligada à força física, pois, no cotidiano, há indivíduos baixos e bem preparados fisicamente, instruídos em artes marciais, que são autênticos vencedores. Nesse ponto é de se trazer a colação a decisão da 15º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Rel. Des. Celso Ferreira Filho: “O princípio da razoabilidade aponta no sentido da aprovação do autor-candidato no exame em tela, visto que eventual diferença registrada se apresentaria um grau mínimo, não infirmando a presunção de que o mesmo possa vir a ser profissional de sucesso, mesmo porque nem só de “militares grandes” deve ser formada a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, mas sim, e sobretudo, de “grandes militares”. Mas, por outro lado, inexistindo lei que autorize a imposição de limite de altura para o acesso à carreira de servidor militar, não pode o edital fazê-lo, sob pena de violar o princípio da legalidade. A referida solução, em termos de reprovação, data venia, não pode prevalecer quando em confronto com duas ordens de considerações. A primeira delas, de natureza legal, reside no fato de que, por decreto, não pode ser havido como recepcionado pela ordem constitucional vigente, permeado pelo princípio da legalidade, e segundo o qual somente através de lei podem ser estabelecidos os requisitos para o acesso aos cargos públicos. III.5.3 Portador de tatuagens Trata-se de ilegalidade, a criação de norma editalícia impedindo que candidatos com tatuagens participem de concursos públicos, a não ser que a Administração Pública demonstre, de forma esmagadora, que tal restrição impediria ou dificultaria o concursado em exercer funções próprias do cargo. A ressalva ao inciso XXX do artigo 7º, feita pelo § 3º do artigo 39, inserido pela EC 19/98, admite que a lei possa vir a adotar, na regulamentação da admissão do servidor público, critérios diferenciados, mas tendo em vista eventuais necessidades decorrentes da natureza do cargo e, obviamente, desde que não haja motivação discriminatória. A aludida exigência tem que ser combatida porque há afronta ao direito dos pretendentes ao cargo e ao bom senso, não encontrando amparo no sistema jurídico pátrio, tanto constitucional, como infraconstitucional. A Administração ultrapassa os limites do razoável, adentrando na seara da arbitrariedade, indo de encontro ao princípio constitucional da isonomia. Ressalta-se que a exigência editalícia enseja o controle do ato administrativo sob o prisma da ilegalidade lato sensu, ou seja, não somente da vinculação do ato da legalidade estrita, da conformidade dos atos com as normas em sentido estrito, mas também da conformidade dos atos com os princípios gerais de Direito previsto, explicita ou implicitamente na Constituição. O controle jurisdicional dos atos administrativos abrange, então, o exame de conformidade dos elementos vinculados dos atos administrativo com a lei (controle de legalidade stricto sensu) e da compatibilidade dos elementos discricionários com os princípios constitucionalmente expressos(controle da legalidade lato sensu). ressalvando o exame do mérito da atividade administrativa, que envolve a análise de oportunidade e conveniência do ato. Sob este prisma, exsurge cristalina afronta ao princípio constitucional da legalidade, significando dizer que o administrador somente poderá praticar os atos previstos em lei. Dispõe o art. 5º, II , do Texto Constitucional, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Assim, a exigência editalícia afronta ao Direito e à Justiça. O habilitado é detentor do direito líquido e certo a impetração da segurança, posto que ilegal a exigência editalícia, porquanto discriminatória e desarrazoada. E não há que se prosperar a alegação de que a regra constava do respectivo edital, ao qual aderiu o candidato sem qualquer questionamento, isto porque a lesão do direito, somente se consolidou quando de sua reprovação no exame pré-admissional. Não se questiona a liberdade do Poder Público em estabelecer critérios específicos para a seleção de candidatos aos cargos públicos municipais. Outrossim, estes critérios devem observar os princípios fundamentais estabelecidos na carta constitucional, destacadamente a legalidade, impessoalidade, igualdade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana. A exclusão revela incontornável grau de subjetivismo e discriminação, maculando os princípios constitucionais acima referidos. O princípio da razoabilidade constitui-se elemento essencial componente da juridicidade atribuída aos entes administrativos, aos quais se exige, para liberdade de atuação, a demonstração de razão justa e adequada e amparada em texto legal, afastando-se a subjetividade desarrazoada. O critério de exclusão do candidato não tem qualquer fundamento legal ou científico, limitando-se a criação de estereótipo criado hipoteticamente, que não afere, sob qualquer sentido, a capacidade de atuação do candidato enquadrado em tal circunstância. Neste ponto, a lição do desembargador Antonio Saldanha Palheiro cai como luva: Concurso Público. Exclusão de candidato portador de tatuagem, decorrente de vedação expressa no edital do concurso. Limites do poder discricionário da administração pública. Contrariedade aos princípios da igualdade, legalidade, impessoalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana. Preceito administrativo com elevado grau de subjetividade. Segurança concedida. Negado provimento ao recurso voluntário. (Mandado de segurança nº 2004.001.21523, Rel. Antonio Saldanha Palheiro, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). Muito comum também é ocorrer a eliminação em concurso público de candidato à carreira militar em razão de porte de tatuagem, divergindo muitas vezes os próprios Tribunais a respeito da irregularidade ou não desta exigência. A este propósito, citamos um caso, cuja Ementa se segue, que foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que houve dois votos contrastantes e bem fundamentados, tendo sido vencido, porém, por maioria, o que deu provimento ao pleito do candidato que buscou na Justiça a declaração de irregularidade de sua reprovação, em virtude de porte de tatuagem. APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. AÇÃO ORDINÁRIA. INGRESSO NA BRIGADA MILITAR NA GRADUAÇÃO DE SOLDADO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DO CERTAME EM VIRTUDE DE TATUAGENS. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. Devidamente comprovado nos autos que as tatuagens do demandante situam-se em regiões de seu corpo que ficam cobertas pelos uniformes regulamentares da Brigada Militar (região lombar e face interna do braço direito), mostra-se inviável a sua exclusão do certame. Normas limitadoras de direito que devem ser interpretadas de forma restritiva. APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA. (Apelação Cível nº 70018348235. Terceira Câmara Cível do TJRS. Relator Des. ROGÉRIO GESTA LEAL). No caso em tela, candidato reprovado no exame físico de concurso para ingresso na Brigada Militar, na graduação de soldado, por possuir tatuagens no braço direito e na região lombar, buscou na Justiça, através de ação ordinária, uma declaração de irregularidade de sua reprovação. O julgador a quo opinou pela regularidade da sua inaptidão, fundamentando sua decisão monocrática, sobretudo no Decreto n. 703/1992, o qual regulamenta as condições de ingresso nas Forças Armadas, e aplicável analogicamente à Brigada Militar. Cita, em destaque, a seguinte disposição do Decreto que constitui fator impeditivo para a aprovação em certame público: “...discromia de pele ou tatuagens em áreas expostas, nas áreas não cobertas pelos uniformes regulamente usados pela Brigada Militar” Enfatiza o Magistrado, ainda, que na Brigada Militar existem também uniformes sem manga destinados à prática de exercícios físicos, bem como os usados na ‘Operação Golfinho’, os quais também compõem as vestes dos soldados, e que o uso de um destes certamente deixaria a tatuagem do autor à vista. Em razão destas alegações, entendeu o Juiz monocrático em negar a postulação do demandante, não emitindo a pleiteada declaração de irregularidade de sua reprovação em exame físico em virtude do porte de tatuagem em seu corpo. Inconformado, pois, com a negativa da decisão, apelou da decisão o autor da ação. Na Apelação, reiterou os argumento, em síntese, de que suas tatuagens se situam na região lombar (costas, atrás dos ombros), e na região interna do braço direito, locais estes que ficam cobertos regularmente pelos uniformes utilizados pela Brigada Militar. Para demonstrar suas alegações, anexou fotos comprobatórias e asseverou que mediante tais justificativas, inviabilizada estaria a sua exclusão do certame. Pediu, com efeito, a reformulação da decisão originária de modo a ser declarada a irregularidade de sua reprovação. No que pese a decisão final de acolher o pedido do autor, é relevante que se diga que as opiniões dos Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não foram pacíficas, mas, ao contrário, divergiram dois membros daquela Corte, para, ao final, vencer o voto que opina pelo acolhimento do pleito, conforme já lido em Ementa. O Desembargador Relator, em seu voto vencedor, após a devida avaliação dos pressupostos processuais subjetivos e objetivos da pretensão do autor, e os considerando regularmente constituídos, conheceu o recurso e iniciou a análise do mérito. Citou em seu voto a Lei Complementar Estadual n. 10990/1997 (Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar), elencando os incisos do art. 10, que traz os requisitos para o ingresso na carreira, a saber: Lei Complementar Estadual n. 10990/1997 “Art. 10 – São requisitos para o ingresso da Brigada Militar: I – ser brasileiro; II – possuir ilibada conduta pública e privada; III – estar quite com as obrigações eleitorais e militares; IV – não ter sofrido condenação com pena privativa de liberdade ou qualquer condenação incompatível com a função polical-militar; V – não estar respondendo processo criminal; VI – não ter sido isentado do serviço militar por incapacidade física definitiva; e VII – obter aprovação nos exames médico, físico, psicológico e intelectual, exigidos para inclusão, nomeação ou matrícula. Parágrafo único – As condições específicas, conforme o quadro ou qualificação, serão as previstas no regulamento de ingresso”. Complementa com a citação do Decreto n. 703/1992, que traça as Instruções Gerais para a Inspeção de Saúde de Conscritos nas Forças Armadas, explicitando os itens que se seguem: “13.4.1 – Exame de pele e tecido subcutâneo: (...) b) visará principalmente infecções, ulcerações, tumores, cicatrizes que impeçam o uso do uniforme e do equipamento militar, lesões compatíveis com hanseníase (teste à sensibilidade dolorosa com alfinete), nervos vasculares, edemas, micoses, eczemas, tatuagens, etc”. Tentou demonstrar o Relator, com a citação de tais normas, que o Edital do Concurso se coadunou com as normas vigentes que pertinem sobre o tema, e que este mesmo previu como causa de inaptidão a “discremia de pele ou tatuagem em áreas expostas nas áreas não cobertas pelos uniformes regularmente usados pela Brigada Militar”, item este que levou o candidato demandante à exclusão do certame. Pelo que nos parece, trata-se de uma questão de interpretação, já que o embasamento legal do edital é compatível com as normas vigentes. Em sua exuberante sabedoria, o Relator observa em seu voto que as normas jurídicas que impõem limitações ao exercício de direitos devem ser interpretadas de forma restritiva. Aduz, ainda, que interpretação irrestrita desta norma levaria à invibialização de seu exercício por particulares, sendo o que ocorre na prática com o caso em análise, em que o candidato foi excluído do certame por ter lhe sido aplicada uma interpretação irrestrita de norma que impõe limitação a exercício de direitos. Lembra, também, que se trata de Decreto do Poder Executivo especificando Lei Estadual, com o propósito de particularizar os casos caracterizadores de restrição ao ingresso na carreira da Brigada Militar, nos remetendo à conclusão de que nenhuma das normas citadas poderia adentrar em domínio constitucional. Tanto assim que cita, na seqüência de sua explanação, entendimento do Supremo Tribunal Federal neste mesmo sentido: O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. Já se referindo ao caso concreto, entendeu o Ministro Relator, em seu voto, que em razão da localização das tatuagens, uma na região lombar, atrás do ombro; outra no lado interno do braço direito, pode-se considerar que elas ficariam normalmente cobertas pelos uniformes da Brigada Militar, o que pode ser ratificado com a demonstração das fotos anexadas pelo autor nos autos da Apelação. No que tange à eventual restrição que poderia ser imposta ao Apelante quanto ao uso de uniformes da Operação Golfinho, bem como em situações excepcionais em que se utilizam uniformes sem manga, alegados pelo Magistrado de primeiro grau, isto não justifica a exclusão do candidato, entende o relator. Ainda considerando estas possibilidades, o demandante poderia desempenhar suas funções normalmente na Brigada Militar, cabendo-lhe restrições apenas em eventos em que a participação de operações exija o uso de uniformes que deixam suas tatuagens visivelmente expostas. Portanto, seria um certo exagero excluir candidato aprovado nas demais etapas do concurso, com exceção do teste físico pelo porte de tatuagem, tão somente pelo fato de que eventualmente poderia fazer uso de uniformes sem manga. Ademais, o voto do Relator guarda consonância, dito por ele mesmo, com a tendência daquela Corte em estar admitindo, em julgados semelhantes, uma certa flexibilização no que se refere às causas de inaptidão para o ingresso em cargo da Brigada Militar, citando dois casos cujos votos foram favoráveis aos candidatos considerados inaptos para o cargo. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA BRIGADA MILITAR. CARGO DE SOLDADO-PM. EXAME DE SAÚDE, CÁRIE DENTÁRIA. 1. A existência de uma patologia que torne o candidato inapto para o serviço público, deve se revestir de características tais que, pela sua natureza e gravidade, alterem a tal ponto a função pública. 2. A existência de cárie em dente, situa-se dentro de um parâmetro de insignificância patológica e deve ser desconsiderada, ainda mais quando há prova documental, consistente em atestado médico fornecido por dentistas, de que o candidato estava em tratamento dentário e que seria liberado do tratamento em curto período de tempo. Apelação improvida e Sentença confirmada em reexame necessário, por maioria. (AC n. 70005717491, Rel. Des. Dr. Eduardo Uhlein, Red. para o acórdão Dra. Ângela Maria Silveira, j. 30.06.2007). Em outro julgamento recente na mesma 3ª. Câmara Cível, a inaptidão de candidato, antes proferida em Concurso Público para o ingresso na Brigada Militar por motivo de cicatriz de cirurgia para remoção de cálculo renal, também foi afastada: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA BRIGADA MILITAR. EXAME DE SAÚDE, CICATRIZ. REPROVAÇÃO. Causa de pedir adequadamente exposta na inicial, vinculada à ausência de recurso administrativo contra o resultado do exame de saúde, bem assim à exclusão desarrazoada do certame, em vista de apresentar o impetrante cicatriz abdominal, admitida implicitamente nas informações da autoridade coatora, que acena com a reprovação de pele ou tatuagem em áreas não cobertas pelos uniformes militares, e que se coaduna com o documento por ela juntado, relativo ao exame médico em que apontada a existência de cicatriz. Cicatriz que, todavia, não se confunde com discromia de pele, consistindo essa em perturbação pigmentar da pele ou dos pêlos. Caso concreto, ademais, em que a cicatriz resulta de cirurgia a que submetido o impetrante para a retirada de cálculo renal, não se mostrando razoável sua reprovação no exame por esse fundamento. SENTENÇA CONFIRMADA, APELAÇÃO DESPROVIDA. (ac N. 70017145681, 3ª. Câmara Cível, Rel. Dr. Pedro Luiz Pozza, j. 22.03.2007) Com a sua fundamentação bem explanada, vota o Relator por dar provimento à apelação, afastando a causa de exclusão do demandante no Concurso Público para ingresso na Brigada Militar, na graduação de soldado. Não obstante tratar-se o voto acima explanado de voto vencedor, mister que se traga também à análise o voto vencido, já que a lide não foi julgada naquela Corte por unanimidade, o que demonstra que ambos os votos possuíram fundamentações consistentes. Conforme dito no início desta análise, sobre ser comum a eliminação de candidatos em concurso para ingresso na Brigada Militar por motivo de porte de tatuagem, esta assertiva é ratificada pelo Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO, em seu voto, ao ressaltar que “a matéria ventilada nos autos não é nova”, citando, inclusive, o julgamento da AC-RN n. 70007819477, de sua relatoria, em que votou pela improcedência da demanda. Portando, com entendimento contrário ao que foi proferido pelo Relator do processo, e anteriormente analisado, passa a relatar as razões que formam sua convicção, ressaltando não haver evidência clara de ato manifestamente ilegal praticado contra o candidato reprovado do certame por portar tatuagem. Considera o desembargador, ao final de seu voto, que o apelado possui duas tatuagens, sendo uma delas a “tribal”, que mede 12x3cm, desenhada sob a epiderme do braço esquerdo, e sobre a qual pende a discussão, lembrando que o seu tamanho ultrapassa o tamanho de algumas mangas curtas aprovadas pelo Regulamento de Uniformes da Brigada Militar (Decreto-RS nº 476/92). Quanto à outra que é tatuada nas costas e que possui o desenho de um dragão, sequer foi objeto de discussão no mandado de segurança, donde se conclui que a matéria de fato enseja tão somente a necessidade de dilação probatória, no sentido de se concluir se esta pode ou não ser vista com o uso do uniforme. Segundo ele, não obstante tenha o candidato demonstrado que o uniforme o qual escolhera encobre o estigma, se referindo à tatuagem, não há como negar o conhecimento desta exigência, que já era descrita pelas regras do edital, e restava bem especificada a objeção quanto à existência de discromia de pele ou tatuagem em áreas expostas. Por isso mesmo, já tinha o candidato conhecimento de que tal requisito poderia resultar na sua inaptidão para o cargo no exame de saúde. Entendeu ainda o desembargador que a juntada das fotografias realizadas pelo candidato, que mostravam que o uso do uniforme escondia as tatuagens, nada acrescenta para a sua defesa. E isto porque dentre os uniformes obrigatórios, que não é apenas um, se encontram aqueles exclusivos à prática diária de exercícios físicos, além dos destinados a “Operação Golfinho”, sendo certo que qualquer um destes dois revelaria a tatuagem. Em seguida, rebate o argumento utilizado pelo Relator do processo, de que a exigência contida na legislação vigente, qual seja, o Regulamento do Serviço Militar das Forças Armadas, Decreto n. 703/92, em especial seu item 13.4.11, acima discriminado, fere princípio constitucional, já que entende legal que a restrição à tatuagem que se aplica aos militares não se constitui em tratamento desigual. Ao contrário, tal restrição se coaduna plenamente com as particularidades da carreira militar, que por sua vez se diferencia de todas as demais atividades civis. Sendo assim, não restou evidenciada a existência de direito líquido e certo do impetrante, pois as próprias regras do edital traziam a previsão da objeção quanto a discromia de pele ou tatuagem em áreas expostas pelos candidatos do concurso, e a lide pende exatamente sobre ser a área da tatuagem do impetrante exposta ou não em relação aos uniformes da corporação, ou seja, questão meramente probatória. Conforme já dito, nem mesmo a Terceira Câmara Cível tem tido unanimidades nos julgados cujas lides se assemelham a que ora se analisa, havendo Câmaras mais flexíveis a esta questão, e outras menos, ao que se pode constatar com a Ementa que segue: CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA BRIGADA MILITAR. EXAME DE SAÚDE. CANDIDATO DESCLASSIFICADO DO CERTAME FACE À CONFIGURAÇÃO DE UMA DAS CAUSAS DE INAPTIDAO, DEVIDAMENTE PREVISTA NO EDITAL. EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO BRAÇO DIREITO. INVIABILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE SUA RAZOABILIDADE, VISANDO O PROSSEGUIMENTO NO CONCURSO PRESENTEMENTE JÁ FINDO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO ART. 5º, INCISO, LV, DA CF/88. RECURSO DESPROVIDO. (AC nº 70006667943, da relatoria do Des. Luiz Ari Azambuja Ramos). Falando sobre os motivos que o levaram a discordar dos argumentos do voto vencedor, alega que tal embasamento não se coaduna com a real situação vivida nos autos pelo apelante. Não lhe parece coerente, com efeito, comparar este caso a procedência por esta Corte de outros pedidos relativos à reprovação em exame físico por motivo de cárie dentária e cicatriz por cirurgia abdominal. Segundo faz supor o desembargador em seu voto, há de se convir que neste caso está se falando de duas tatuagens, uma no braço esquerdo e outra no ombro direito, ambas com tamanho relativamente expressivo, bem diferentes dos casos em que mereceram a flexibilização desta Corte ao princípio da legalidade, com os acima citados, da cárie e da cicatriz por cirurgia, e que por isso mesmo o caso atual não merece esta mesma flexibilização. Dentro desta linha, vota o Des. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO pelo improvimento da apelação e pela manutenção da sentença recorrida, ressaltando as devidas vênias ao voto contrário do Relator, Des. ROGÉRIO DESTA LEAL. Não obstante a sua também consistente explanação, não prosperou o seu voto na unanimidade, prevalecendo o voto do Desembargador Relator que deu provimento à apelação. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também já se manifestou favoravelmente a candidato em concurso público para o provimento de cargo de soldado de 1ª. Classe da Polícia Militar daquele Estado, que foi reprovado do certame nos “exames preliminares de saúde”, com a alegação de portar tatuagem e possuir cáries profundas.29 Tratava-se, o aludido conflito, de reexame necessário e de recurso de apelação interposto pelo Estado de Minas Gerais contra sentença proferida pelo Juízo da 7ª. Vara de Fazenda Pública Estadual e Autarquias daquela Comarca, que concedeu a segurança para que candidato a soldado da polícia militar prosseguisse na Segunda Fase do pré-citado processo seletivo, até o seu final, suspendendo-se a exigibilidade constante no Edital no que se refere ao seu porte de tatuagem e às supostas cáries profundas. O Estado de Minas Gerais firmou a convicção de suas alegações sobre a importância da sanidade física e mental do candidato, cuja aferição se dá por meio de exames médicos e laboratoriais, consoante os artigos 37, I e 39, § 3º, ambos da Constituição Federal, como sendo requisitos imprescindíveis àquele candidato que se dispõe a exercer a função militar. Com base nisso, requereu o provimento do recurso e da denegação ordem. Em seu parecer, a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela confirmação da sentença monocrática e pela improcedência do recurso voluntário, assim como o fez o Relator do processo em seu voto, com suporte nas razões subseqüentes: Analisando as fundamentações do apelante, observa que o primeiro afirma que embora tenha obtido êxito em todas as fases do edital, concorrendo para o ingresso nos quadros da corporação da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, se insurgiu a iminência de ser reprovado na fase denominada “exames preliminares de saúde”, por motivos os quais contesta, em contrariedade com o disposto no Edital, nos tópicos “Doenças e alterações odontológicas” e “Alterações da pele subcutânea”. Quanto às exigências alegadas no curso do certame, mantém-se o apelante no entendimento de que as normas editalícias que ensejaram a sua eliminação são abusivas e que os fatos alegados não procedem. Primeiro, porque já havia recebido alta do tratamento odontológico, não mais persistindo o alegado fator incapacitante relativo às suas cáries. Segundo, pelo fato de que a tatuagem, com localização em seu ombro, não se põe à mostra no uso do uniforme da corporação, descaracterizando as alegações de estar infringindo qualquer regulamento do concurso público. Transcrevendo vários julgados que procedem com a sua linha de defesa, requer a concessão da segurança e a confirmação da sua manutenção no concurso, com a competente declaração de estar apto a prosseguir na 2ª. fase do processo seletivo, juntamente com os demais candidatos aprovados, e com a conseqüente suspensão da exigibilidade no dispositivo editalício que o eliminou. O Relator CÉLIO CÉSAR PADUANI, em seu voto, reconhece que a questão do impedimento do impetrante em razão das alegações de suas profundas cáries já foi devidamente sanada, pela via do processo administrativo que foi regularmente interposto em ocasião oportuna, fato este reconhecido pelas próprias autoridades impetradas, tendo como resultado a anulação desta inaptidão. Analisada esta questão e tida como superada, admite o Relator o direito do impetrante de ter amparada sua pretensão deduzida por meio do Mandamus sob análise, pois não obstante o reconhecimento de que as normas editalícias possuem o caráter vinculante, não restam dúvidas, por outro lado, de que a exclusão do candidato pelo simples fato de portar tatuagens caracterizaria um real afronto aos princípios da legalidade, razoabilidade e isonomia, todos constitucionalmente assegurados. Ademais, o só fato de o candidato impetrante ter logrado êxito nas provas de conhecimento demonstra não ser plausível a sua eliminação nas fases subseqüentes pelo só fato de portar uma tatuagem em local discreto do corpo e que em nada comprometeria à sua capacidade física e desenvoltura nas atribuições do cargo almejado. Para corroborar este exato entendimento, passa a transcrever parte do parecer do Procurador de Justiça, que se manifestou nos autos, fazendo também menção à questão da isonomia a qual deve se submeter a Administração Pública na prática de suas condutas: “E, “in casu”, entendo que não se pode permitir ao Administrador negar igual oportunidade a candidato que, submetendo-se a exame de saúde, revele a existência de TATUAGEM em determinada parte do corpo. Isto porque, diante de tal conduta, afronta a Administração Pública os basilares princípios da legalidade e da razoabilidade, uma vez que a Resolução 3.592/02 extrapola os limites da Lei 5.301/69, e não se pode concluir, por fim, que o impetrante seja inapto para ingressar na Polícia Militar apenas por apresentar uma particularidade estética, o que não lhe retira a idoneidade, confiança e respeitabilidade para exercer, adequadamente, as atividades e funções próprias da Corporação”. Em razão de suas alegações expostas, entende o Relator, na conclusão de seu voto, haver de fato a presença de direito líquido e certo por parte do impetrante, confirmando então a concessão da segurança por meio do Mandamus e nos termos da Sentença estabelecida originariamente. Mesmo com as inúmeras análises pré-citadas de casos concretos em que candidatos concorrentes em Concurso Público a cargo de Soldado na Carreira da Polícia Militar obtiveram, judicialmente, na grande maioria das vezes e em diferentes Estados, a concessão da Segurança para permanecer na disputa nas demais etapas do Certame, após eliminação por reprovação em exame de saúde por motivo de portar tatuagem, por certo não será demais trazer à baila mais um julgamento a este respeito. Trata-se, contudo, de um julgado cujos argumentos do Relator não foram utilizados por nenhum dos anteriores, tamanha a abrangência e profundidade da análise do mérito em apreço, prescindindo a simples questão da mera legalidade ou não do porte da tatuagem por policial, e adentrando na esfera sócio-cultural desta aceitação. Falamos do Mandado de Segurança n. 2007.004.01575, julgado na Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com o brilhante voto do Relator Desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado. A questão, igualmente simples como as demais desta espécie que são levadas aos Tribunais do país, envolve a ação de Mandado de Segurança impetrado por candidato a Concurso Público de Admissão ao Curso de Formação de Soldado PM, classe C, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, tendo como impetrado o Secretário de Estado de Segurança Pública, autoridade esta responsável pela sua eliminação do concurso, em razão de ostentar “tatuagem de Jesus Cristo” em suas costas. Em seu breve Relatório, onde parte foi transcrita, juntamente com a justificativa do indeferimento30, o Relator faz alusão ao fato de que o porte de tatuagem se constitui, em épocas atuais, “modismo entre os jovens”, sendo comumente encontrada em diversos trabalhadores, obviamente à medida que estes entram para o mercado de trabalho, de forma que a sua não aceitação é vista pela sociedade moderna, na maioria das vezes, como mero preconceito e ausência de bom senso. E isto se justifica pelo fato de que, à medida que uma prática ou modismo, antes inusitados ou incomuns, vão se infriltrando na sociedade e se tornando corriqueiros, o repúdio antes justificado passa a se tornar o engessamento de uma idéia superada e preconceituosa. É o caso, hoje, do porte de tatuagens, dada a normalidade de seu porte entre cidadãos de diversas classes sociais. Além do mais, muitos de seus portadores hoje já ostentam uma meia idade, se referindo aos que se tatuaram nos anos 70, e nem por isso deixam de ter seus valores sociais ou suas realizações profissionais reconhecidos. Citando ainda o Relator parte do parecer do Ministério Público, em que este se quedou favorável à concessão de segurança31 passa a analisar a posteriori, minuciosamente, a questão que envolve todo este estigma sobre o que leva um homem a portar uma tatuagem em seu corpo, mesmo sabendo da sua natureza, a princípio, indelével. Sustenta o relator, com muita propriedade, que a questão do porte de tatuagem envolve considerações, que por mais complexas que se mostrem, não devem superar o simples entendimento de que se constitui em um mero modismo, e uma opção pessoal sem nenhuma conseqüência para a pretensão de se desempenhar determinadas atividades profissionais, a exemplo da carreira da polícia militar. Afirma que após a análise de outros casos semelhantes, foi inevitável reconhecer o notório entendimento de diversos julgadores, que firmam a fundamentação de seus exames estritamente na exigência do edital, negando sumariamente, com isso, que candidatos a cargos policiais apresentem tatuagens, e mostrando-se propensos a poucas tolerâncias na análise do que, entendem, já foi claramente taxado e especificado no edital do certame. E esta linha de raciocínio, entende o Relator em seu voto, se mostra desarrazoada e merece um exame mais profundo e desprendido, se propondo a isto com brilhantismo, quando passa a analisar as razões históricas que vem levando o homem moderno a fazer uso de tatuagem em seu corpo. Remete sua análise, então, para as épocas mais remotas em que esta prática teve início. Citando DARWIN, afirma que o uso de tatuagem pela raça humana já era conhecida nos tempos antigos, pois segundo afirmava o notável cientista do Século XIX, “do Pólo Norte a Nova Zelândia não havia aborígene que não se tatuasse”. Em seguida, traz um relato moderno acerca de uma análise dos motivos que marcam a personalidade daqueles que ostentam uma tatuagem32, concluindo que pessoas tatuadas hodiernamente o são pelos motivos mais variados que na antiguidade. Em seguida, faz menção a uma análise técnica, citando que a medicina legal acolhe parcialmente as conclusões antes mencionadas, acrescentando ainda que o uso de tatuagem “pode ser uma forma de interpretação, uma porta de entrada para a descoberta de alguns impulsos, antecedentes criminais, ou mesmo opções ideológica”. A este respeito, cita uma interpretação de Delton Croce33, em que este faz uma alusão do uso da tatuagem com uma forma de identificação particular percebida, sobretudo, em criminosos que se tatuam. Na seqüência, cita Helio Gomes34, que apontando a opinião de LOCARD, assegura que seria inexato afirmar que todo homem tatuado seja criminoso, enquanto que Almeida Junior35, numa visão mais arrojada, garante que o cerne da questão está, categoricamente, no conteúdo e na sede da marca. Sendo assim, estas podem indicar tendências viciosas ou criminais do portador. Em sua conclusão, o Relator do voto se certifica de que a tatuagem em si não tem um sentido exato ou preciso. Por outro lado, diz ele, pode indicar hábitos, exibicionismo, atividade profissional, tendência ou manifestações ideológicas. Sendo assim, cada caso há que ser analisado individualmente, de forma a não se condenar ou aprovar a conduta do portador da tatuagem, tão somente pelo seu uso. Reportando-se ao caso em tela, exclui-se de plano a hipótese de ser o candidato portador de tatuagem pertencente a um grupo criminoso, ou de se tratar de antigo presidiário, criminoso, ou pessoa agressiva, pois se for o caso a própria investigação criminal o identificará como tal. Não há, até o presente momento, diz o relator, informações neste sentido. Quanto à forma da tatuagem, esta também não sinaliza um aspecto monstruoso ou agressivo, de modo que pudesse causar intimidações às pessoas ou mesmo torná-lo inadequado à convivência social. Seria inconcebível, de fato, um homem com tatuagens visíveis que o desfigurasse ou desse uma aparência selvagem ter de impor o respeito e a ordem públicos. No caso, ao contrário, trata-se o desenho da imagem de Jesus Cristo, que não há como não encerrar um aspecto pacífico. Também não se justifica afirmar que uma tatuagem com a imagem de Cristo pudesse induzir a uma ideologia contrária à lei, à ordem constituída ou à idéia de uma personalidade violenta e agressiva. Exemplo disso seria uma tatuagem que faz apologia as drogas ou á violência, como os desenhos de uma “folha de maconha” ou de uma “caveira”. Por fim, interpreta o Relator que a tatuagem do impetrante pode denotar, quando muito, uma manifestação devocionista, ou uma busca de proteção, se assemelhando a outros objetos religiosos como os patuás, figas, escapulário, entre outros, não obstante a intenção exibicionista que todo tatuado, direta ou indiretamente, carrega em si, mas que não causa nenhum prejuízo alheio. Neste sentido, seria ainda mais prudente afirmar que seria contrário ao ideário constitucional criar discriminação ou impedimento ao exercício de cargo público em razão de crença religiosa, sendo o que se lê no inciso VIII do art. 5º da Constituição Federal: Art. 5º - (...) VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta (...). Diante destas minuciosas análises acerca do próprio sentido sócio-cultural da tatuagem, inclina-se o relator no entendimento de que a exclusão do candidato no aludido concurso não é propriamente motivada, mas sim desarrazoada, levando-se em conta um excesso de discricionariedade na interpretação literal do edital. Por isso mesmo, o papel do Poder Judiciário em circunstâncias como estas deve ser o de dosar o limite entre o discricionário e o arbitrário na prática de atos da Administração Pública, pois perpassando pouco além da discricionariedade, corre o administrador o risco de invadir a esfera da legalidade. Segundo o Relator, não havendo motivos que justifiquem a reprovação e exclusão do candidato, conforme a explanação de suas convicções, vota pela concessão da segurança do impetrante nos quadros da Polícia Militar, sendo-lhe assegurado a realização dos exames subseqüentes ao exame físico. III.5.3.1 Estudo de Caso Prático - Prova especializada para o Ministério Público36 DONAVILLE SILVA participou de concurso público para preenchimento do cargo de Guarda Municipal Feminino de Duque de Caxias (RJ), e em agosto de 1999 logrou a classificação de 19º lugar do total de 20 vagas. Em 08/02/2004 a impetrante foi convocada para ingressar no serviço público, quando lhe informaram sobre a sua reprovação no exame médico pré-admissional, pelo fato de possuir uma tatuagem na perna direita. Todas as outras candidatas classificadas foram efetivadas na função. Inconformada, DONAVILLE impetra em 23/02/2004, mandado de segurança com pedido de liminar contra o referido ato do Sr. Secretário Municipal da Administração para que seja efetivada no cargo de Guarda Municipal, a partir da data da efetivação de seus páreos. Alega ter direito líquido e certo ao provimento do cargo, e que a exigência do poder público de "não possuir tatuagem" é uma discriminação arbitrária e nula de pleno direito. Em informações, o Secretário Municipal da Administração afirma que o edital do concurso dispõe no item 26.3.1. proibição de tatuagem para o exercício da função de Guarda Municipal Feminino, de forma expressa, devendo, portanto, ser denegada a segurança. Pergunta-se: a) Deve ser concedida ou não segurança? Houve decadência do direito da impetrante em promover o presente mandamus? b) Caso a impetrante apresentasse atestado médico comprovando ter retirado a tatuagem, antes da data do julgamento do mandado de segurança, a resposta do item anterior seria a mesma? c) Há algum substrato jurídico ou fático neste caso concreto que justifique a criação de norma editalícia de natureza restritiva ao direito de liberdade pessoal? Respostas fundamentadas. a) Tranquilamente, deve ser concedida segurança. Não há que se falar em decadência do direito da impetrante em promover o mandamus, ex vi do art. 18 da Lei nº 1.533/51 e do enunciado nº 105 da Sumula da jurisprudência do E. STJ. A restrição prevista no edital quanto às tatuagens,não implica, obrigatoriamente, a impugnação no momento da inscrição, porquanto a lesão do direito da impetrante, somente, se consolidou quando de sua reprovação no exame pré-admissional, em razão de ser portadora de tatuagem. Portanto, no momento da negativa do ingresso da impetrante ao serviço público é que ocorreu a lesão do direito, nascendo daí o seu interesse de agir. No caso sub judice , o ato impugnado data de 08.02.00, enquanto que a distribuição do presente writ ocorreu em 23.02.00, logo, dentro do prazo legal de 120 dias, razão pela qual é afastada a hipótese de decadência. b) A impetrante através de atestado médico comprovou ter tirado a tatuagem em sua perna direita, o que pouco importa, não havendo obstáculo à assunção ao cargo para o qual sagrou-se aprovado em concurso público. c) A criação de norma editalícia de natureza restritiva vai de encontro aos princípios básicos de direitos e garantias fundamentais do cidadão, insculpido nos artigos 3º, IV, art. 5º, II, IX, XXXI, da Constituição Federal. A República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito (art. 1º), tendo como um dos objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras forma de discriminação, nos moldes de seu art. 3º, inc. IV. Reza o art. 5º, caput, da Lei Maior, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade do direito à liberdade. Por seu turno, a Administração Pública encontra-se regida pelo princípio da legalidade, significando dizer que o administrador, somente, poderá praticar os atos previstos em lei, na forma do art. 37, do mencionado diploma legal. Em seu inciso I estatui que os requisitos para o acesso aos cargos públicos teve também estar previstos em lei. Dispõe a Constituição, em seu art. 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e, neste caso, inexiste previsão ordinária proibindo-se a gravação de tatuagem no corpo. É importante observar, que o princípio da razoabilidade deve nortear a consciência do administrador na prática do ato administrativo. O uso da tatuagem não é causa que impedisse ou dificultasse o exercício das atividades própria do cargo. Referência Jurisprudencial que suporta a conclusão: Concurso Público. Exclusão de candidato portador de tatuagem, decorrente de vedação expressa no edital do concurso. Limites do poder discricionário da administração pública. Contrariedade aos princípios da igualdade, legalidade, impessoalidade, razoabilidade e dignidade da pessoa humana. Preceito administrativo com elevado grau de subjetividade. Segurança concedida. Negado provimento ao recurso voluntário. (Mandado de segurança nº 2004.001.21523, Rel. Antonio Saldanha Palheiro, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). III.5.4 Doenças sexualmente transmissíveis Nos últimos anos, em decorrência do aumento de portado­res de doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS, por exem­plo, passou-se a exigir, em alguns casos, o exame de HIV dos candidatos. A doutrina tem-se posicionado, no geral, contra tal exi­gência, pois ela acaba, gerando a publicidade quanto à doença, e, além de lesar a vida privada da pessoa, acarreta-lhe uma série de preconce­itos no espaço de trabalho. Algumas decisões judiciais, entretanto, tem sido favoráveis a entidades que estabeleceram a obrigatoriedade do exame ao fundamento de que, conhecida a moléstia do servidor, poderá a entidade pública adotar os procedimentos necessários a seu tratamento. Não se admite que a comprovação da AIDS por determi­nado candidato seja critério para a sua seleção. No entanto, tem se aceitado, em algumas oportunidades, que se possa obrigar ao exame e, a partir da análise do quanto o candidato tenha sido por ela afetado, inclusive fisicamente, se chegar a recusar-lhe a aprovação por ca­rência de boas condições de saúde. Todavia, essa exigência continua a ser considerada devastadora da vida privada, especialmente pela doutrina e por alguns diplomas legais. A Lei n° 4.101, do Município de Vitória, no art. 1°, parágrafo único, encerra que "O teste HIV não poderá ser exigi­do para inscrição em concurso público, admissão ou permanência no emprego". E a Lei Municipal n° 7.400, de Porto Alegre, no art. 2° dispõe que "Consideram-se para os efeitos desta Lei, como ato discriminatório aos portadores do vírus HIV/AIDS: I - A exi­gência do teste HIV: a) para participar de processo de seleção visan­do admissão em emprego; ... c) como condição para inscrição em concurso público". No Estado de São Paulo, também foi conferida proteção aos candidatos a cargos públicos, vedando-se a exigência de exames para detectar a presença do vírus HIV: a Lei nº 11.199/2002, onde consta que é proibida qualquer forma de discriminação aos portadores do vírus HIV ou a pessoas com AIDS. “Para efeito desta lei, considera-se discriminação aos portadores do vírus HIV ou às pessoas com AIDS: solicitar exames para a detecção do vírus HIV ou da AIDS para inscrição em concurso ou seleção para ingresso no serviço público ou privado” Sobre a matéria em tela, a Lei 8.112/90 determina em seu artigo 186, inciso I que o servidor será aposentado: “I – por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;” O § 1º do mencionado artigo tem a seguinte redação: “consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia erreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformantes), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.” Portanto não verificamos afronta a qualquer princípio constitucional a exigência do teste de HIV, haja vista que o servidor, neste caso, recém investido na função pública, poderá requerer a sua aposentadoria integral com base na invalidez permanente, o que oneraria demasiadamente os cofres públicos e não supriria a carência de pessoal. III.5.6- outras exigências polêmicas relacionadas com as características físicas dos candidatos Existem outros requisitos exigidos para o provimento de cargos que estão suscitando controvérsias e que vem sendo solucio­nadas nos Tribunais. Caso interessante o do mais recente Concurso para a guarda municipal do Rio de Janeiro, cujo edital trazia uma série de exigências polêmicas que acabaram sendo questionadas pelo Ministério Público do Trabalho em sede de Ação civil Pública. A “queda-de-braço” começou em setembro de 2007, quando uma exigência polêmica no edital Concurso Público para admissão ao Emprego de Guarda Municipal da Empresa Municipal de Vigilância – EMV, Guarda Municipal do Rio de Janeiro, deixou boquiabertos os candidatos a uma das 1.500 vagas na instituição. No item 3.5 do documento, referente à Avaliação Médica, era considerado inapto para a função o candidato que tivesse menos de 20 dentes – 10 na arcada superior e 10 na inferior.37 “3.5 Exame Odontológico - será considerado INAPTO o candidato que possuir menos de 20 (vinte) dentes, sendo 10 (dez) em cada arcada;” A Guarda Municipal do Rio de Janeiro, reconhecendo que o item 3.5 do edital de seu concurso não estava claro, resolveu redigir um texto complementar para esclarecer a exigência para que o candidato tenha no mínimo 20 dentes – 10 na arcada superior e 10 na inferior. “3.5 Exame Odontológico - será considerado INAPTO o candidato que possuir menos de 20 (vinte) dentes, sendo 10 (dez) em cada arcada;” Ato contínuo, a Guarda Municipal do Rio publicou no Diário Oficial do município nova redação do quesito polêmico. Com isso, ficou esclarecido que seriam aceitas também as próteses dentárias “desde que garantam reabilitação estética e funcional”. Caso se tratasse do edital de um concurso de beleza, talvez o detalhe passasse despercebido, mas numa convocatória para seleção de guardas municipais a exigência fez barulho . Diante das críticas recebidas, a Guarda Municipal explicou ainda , em nota à imprensa, que a limitação de dentes seria uma exigência comum em concursos da área de segurança pública38, incluindo as Forças Armadas, e que “a exigência mínima de 20 dentes para cada candidato buscava preservar a saúde e a imagem de um profissional que atua em contato direto com a comunidade, inclusive nas escolas municipais onde exemplos à saúde devem ser incentivados” O caso despertou a atenção do Ministério Público do Trabalho. . Segundo o procurador do Trabalho, Wilson Roberto Prudente, o regulamento continha cláusulas discriminatórias. A comissão responsável pela seleção chegou a se reunir com o procurador para discutir possíveis alterações das regras. Na audiência realizada no dia 27 de setembro de 2007, o procurador questionou outros pontos do edital, entre eles os que impediam que pessoas muito magras, obesas, portadoras de anomalias congênitas ou adquiridas e deficientes físicos, mental ou sensorial concorressem a uma das vagas. Diante das pressões advindas das alegações do Ministério Público, o qual apontara as irregularidades existentes entre as exigências do edital, o concurso foi cancelado, por decreto39, com o objetivo de revisão dos termos editalícios. A intenção, obviamente, era a de evitar ações na Justiça que pudessem provocar o cancelamento do processo seletivo no futuro . Segundo o MPT, a intenção não era cancelar o concurso, mas sim viabilizar a seleção para qualquer pessoa, sem ferir os princípios constitucionais. Na reunião, foi estabelecido um prazo para que a Guarda decidisse quais providências serão tomadas.Então, a Guarda Municipal do Rio informou que iria criar grupo de estudos com representantes da procuradoria geral do município e da secretaria municipal de administração para avaliar os termos do edital com as conclusões sendo submetidas ao prefeito (como determinara o decreto). Segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, o grupo deveria ser formado para elaborar novo edital, sendo que, daquela vez, a definição das regras do concurso ficaria a cargo da diretoria da Guarda, da Procuradoria-Geral do município e da Secretaria Municipal de Administração. O relançamento ficou na dependência das decisões do grupo de trabalho criado pela prefeitura e havia a previsão de que outro edital fosse lançado o quanto antes, já que a necessidade de contratação era imediata. Mas foi somente em Julho do ano seguinte (2008), ou seja, quase um ano depois do cancelamento do certame, que a Prefeitura do Rio de Janeiro divulgou o novo edital do concurso público que oferecia mil vagas ao cargo de Guarda Municipal, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e opção pelo regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Entre os novos requisitos necessários para o cargo estavam: ter, no mínimo, a idade de 18 anos completos, à época da contratação; possuir estatura mínima de 1,70m para homem e 1,65 m para mulher e possuir a qualificação exigida para o cargo pretendido e apresentar, à época da realização da 4ª etapa, o certifica ou declaração de conclusão do ensino médio, de instituição reconhecida pelo governo. A avaliação dos candidatos seria feita em quatro etapas: Prova Objetiva, Provas Antropométrica e Física, Avaliação Psicológica e Avaliação Médica e Curso de Formação. No entanto, o edital do concurso, não atendeu as exigências do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro, já que, diversas cláusulas contestadas no edital anterior não sofreram as devidas alterações e continuaram sendo consideradas inconstitucionais e discriminatórias. O novo edital, segundo o procurador do Trabalho, mantinha cláusulas consideradas inconstitucionais, tais como a não reserva de vagas para pessoas com deficiência40. Ainda de acordo com a análise do procurador, o impedimento de pessoas com cicatrizes, inclusive decorrentes de cirurgia, foi mantido no novo edital, o que caracterizaria também cláusula discriminatória. Na época, o procurador Wilson Prudente declarou à imprensa quer O MPT não poderia admitir que um edital recheado de cláusulas discriminatórias e inconstitucionais como aquele fosse publicado por um órgão da Administração Pública. Outro ponto questionado foi o de que as inscrições só podiam ser realizadas através da Internet. Segundo o procurador, apesar da inclusão digital ter aumentado nos últimos anos, a realidade comprova que muitos ainda não têm acesso à rede e poderiam ser prejudicados. Por isso, representantes legais da Guarda Municipal foram intimados novamente a comparecer à Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, para que fossem discutidas as modificações do edital, suspenso. A pedido do Ministério Público do Trabalho , a prefeitura cancelou ( pela segunda vez) o concurso. Ocorreu que se deu desta vez bem mais rapidamente (cerca de um mês depois- em agosto de 2008) a publicação do novo edital do concurso para o cargo de guarda municipal da Empresa Municipal de Vigilância S.A, só que o novo edital (SMA/EMV nº 135) apresentou conteúdo semelhante ao do edital anterior, nº 125, publicado em 1º julho, de modo que o Ministério Público imediatamente anunciou uma audiência com os representantes da Guarda Municipal para (novamente) tentar alterar o edital do concurso. A reunião não surtira os resultados esperados pelo MPT. Por isso, o Ministério Público ajuizou, no dia 25 de agosto de 2008, Ação Civil Pública, com pedido liminar de tutela antecipada, para que a Justiça do Trabalho declarasse nulas as cláusulas do edital apontadas como discriminatórias e inconstitucionais41 . O procurador do Trabalho Wilson Prudente também requereu, alternativamente, a prorrogação do prazo das inscrições ou reabertura para que as pessoas excluídas pelas cláusulas discriminatórias possam se inscrever no concurso. Entre os pontos questionados pelo MPT estavam a exigência de o candidato ter, no mínimo, 20 dentes, os limites de estatura e peso, e a proibição de pessoas portadoras de deficiência e de cicatrizes participarem do certame. Cerca de uma semana após, por entender que o edital do era realmente discriminatório, a juíza Leydir Kling Lago Alves da Cruz, da 51ª Vara do Trabalho do Rio, determinou a prorrogação do concurso por mais 20 dias. O prazo de inscrição duraria até o dia 7, foi estendido para 27 de setembro. Neste período, a Guarda Municipal teve de disponibilizar pelo menos um ponto de acesso gratuito à internet para que candidatos sem acesso ao serviço pudessem fazer a inscrição sem custo adicional, inclusive disponibilizando funcionários para auxiliar os candidatos no processo de inscrição. Por força da decisão, candidatos portadores de deficiência física, com cicatrizes, com menos de 20 dentes, magros, obesos e com estatura limitada puderam concorrer já que a Juíza reconheceu a inconstitucionalidade das exigências formuladas “O fato é que o edital que discrimina os cidadãos portadores de qualquer deficiência física ou que não tenham pelo menos 20 dentes na boca ou determinada compleição física ou estatura bem como o estabelecimento de limitação do meio de inscrição no concurso ao procedimento eletrônico, desestimula a inscrição dos cidadãos discriminados, o que ofende, sem dúvida, aos direitos difusos constitucionalmente garantidos. A juíza Leydir Kling estabeleceu, ainda, que os candidatos portadores de deficiência não poderiam ser submetidos às provas físicas e antropométricas previstas no edital que impliquem na eliminação do concurso. De acordo com o procurador, a decisão judicial abriu um precedente para que as discriminações indicadas no edital não venham mais a estar presentes em nenhum outro concurso público. “A Justiça do Trabalho, com essa decisão, está fazendo história no direito constitucional brasileiro”, ressaltou ele em sua declaração à imprensa.. III.6 POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE LIMITE DE IDADE E SEXO A questão sobre a possibilidade de limitação de idade, para concorrer a concurso público, é sempre tormentosa. Não se havendo de ignorar, como regra, que os cargos públicos são acessíveis àqueles que preencham os requisitos estabelecidos em lei (CF, art. 37, I). O tema, realmente, está a merecer reflexão, tal como vem sendo tratado. De um lado, destacando-se a regra do art. 7º, XXX, da CF, aplicável aos servidores públicos por força do art. 39, § 3º(redação da EC 19/98), que veda qualquer tipo de discriminação por motivo de idade, no processo de admissão a cargo ou emprego público, muito embora possa a lei estabelecer critérios diferenciados quando a natureza do cargo o exigir. De outro, os argumentos a partir do estatuído no art. 37, I, Carta, estabelecendo que " os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei", como que a permitir a limitação etária nos concursos destinados ao provimento de cargos públicos, com a possibilidade de se estabelecer requisitos diferenciados quando a natureza do cargo o exigir(§ 3º, art. 39 da CF, com as alterações da EC, 19/98). Daí caminharem juntas, doutrina e jurisprudência, firmando como princípio o critério da razoabilidade objetiva, isto é, se razoável a limitação de idade para o provimento do cargo, considerando as suas necessidades e peculiaridades, o limite exigido pode ser tolerado. Caso contrário, não. Nessa perspectiva, sustentamos que a limitação, tratando-se de idade mínima, deva ser admitida por exceção, quando houver previsão legal e se afigurar razoável. Notadamente quando o candidato completar a idade exigida antes do ingresso no serviço público. Somos do posicionamento de que a constitucionalidade do estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público depende não apenas estar previsto tal requisito no edital e na legislação regulamentadora de acesso aos cargos públicos, como também atender a um critério de razoabilidade. Deve-se compatibilizar, na interpretação das normas do art. 39 § 3º (redação dada pela Emenda Constitucional 19/98_, c/c o art. 7º, XXX, da Constituição Federal, os interesses público e privado, o que deve ser feito a partir de um critério de razoabilidade. A atual redação da regra do art. 39, § 3º, com a redação conferida pela Emenda Constitucional 19/98, abre espaço para essa interpretação , quando estabelece que pode "a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão, quando a natureza do cargo o exigir." Assim, pode a legislação regulamentadora do acesso aos cargos públicos estabelecer requisitos especiais, inclusive relativos à idade, desde que se mostrem razoáveis no caso concreto. Existem concurso, como para acesso a carreira militar, em que a limitação de idade estabelecida em lei mostra-se razoável, em função das peculiaridades da atividade militar, especialmente a exigência de vigor físico diferenciado. Este é o entendimento da Suprema Corte: RE 184635/MT, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO DJ 04-05-04, EMENT. VOL. 2029-04, P. 866, Julgamento: 26/11/2006 - Segunda Turma: "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. C.F., art. 7º, XXX; art. 37, I; art. 39, § 2°. I. – Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, emprego e cargos públicos. Interpretação harmônica dos artigos 7º, XXX, 37, I, 39, § 2°. II. – O limite de idade, no caos, para inscrição em concurso público na carreira do Ministério Público do Estado de Mato Grosso – vinte e cinco anos e quarenta e cinco anos -III. – Precedentes do STF: RMS 21.033-DF, RTJ 135/958; 21.046; RE156.404-BA; RE 157.863-DF; RE 175.548-AC; RE 146.934-PR; RE 156.972-PA. IV. – R. E. conhecido, em parte, e provido na parte conhecida." Portanto, não pode o concurso público para o cargo de motorista, por exemplo, estabelecer limite de idade desnecessariamente. A Magna Carta assegura o acesso aos cargos públicos aos candidatos que preencham os requisitos estabelecidos em lei. Inocorrendo limitação de idade em lei, não pode o edital estabelecer, mormente quando as atribuições da função não apresentam necessidade de ser fixar limite etário. O limite mínimo de idade imposto por lei para ingresso em cargo público, justifica-se apenas se a natureza das atribuições do cargo a ser preenchido impuser tal exigência. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça firmaram-se no sentido da adoção do princípio da razoabilidade, levada em consideração a natureza do cargo pretendido, a situação do candidato e a sua faixa etária.42 A título de ilustração, não se afigura razoável limitar o ingresso na magistratura de candidatos que não tenham 30 anos de idade no momento da inscrição no certame ao entendimento de que o cargo exige maturidade, sendo certo que no momento da posse no referido cargo tal exigência restará atendida. Há fatores relativos à idade e ao sexo dos candidatos ao provimento de cargos públicos que têm causado muitas controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Isso porque o inciso XXX do artigo 7º da Constituição Federal, aplicável aos servidores públicos por força do artigo 39, § 3º (artigo 39, § 2º, antes da Emenda Constitucional nº 19/98), veda a "proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil". A Emenda Constitucional nº 19/98 transformou o § 2º do artigo 39, em §3º, e acrescentou na parte final do parágrafo a ressalva da possibilidade de se instituírem requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Assim, a possibilidade da lei instituir requisitos diferenciados passou a existir, mas apenas em relação aos cargos públicos. Isto se conclui, não apenas pela dicção da regra, mas pelo fato de que os que se candidatam a emprego (na Administração Pública direta ou indireta) sujeitam-se, além das normas constitucionais, às normas de direito do trabalho, e o artigo 7º, onde estão arrolados os direitos trabalhistas fundamentais, em seu inciso XXX, não incluiu ressalva alguma em sua dicção. Quanto ao limite de idade, duas correntes doutrinárias se formaram na interpretação desses dispositivos - artigo 7º c/c artigo 39 § 2º (artigo 39, § 3º, depois da Emenda Constitucional nº 19/98) -, ambos da Constituição Federal. A primeira corrente se formou no sentido de vedação absoluta de limite de idade, prestigiando o princípio da igualdade. Para os seguidores desta corrente é a própria Constituição da República que veda expressamente a diferença de critério por motivo de idade, por disposição do artigo 7º, XXX, que proíbe, entre outras, a diferença de critério de admissão por motivo de idade, aplicável aos servidores públicos por força do antigo artigo 39, § 2º da Constituição. Para esta corrente, as únicas exigências possíveis, relativamente à idade, seriam aquelas estabelecidas pela própria Constituição Federal, direta ou indiretamente. Diversas foram as decisões dos nossos Tribunais nesse sentido: "EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO, SERVIDOR PÚBLICO. LIMITE DE IDADE ESTABELECIDO EM EDITAL. TÉCNICO DO TESOURO NACIONAL (art. 7º, XXX e 39, § 2º da C.F.). PRECEDENTES DO STF E DO STJ. - Não é possível limitar-se a inscrição de servidores em concurso público, para preenchimento de cargos da Administração Pública Civil, por motivo de idade. - As únicas limitações admissíveis na espécie, são as inseridas na Constituição Federal. (RE nº 10455-0-MG, STJ, Segunda Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 25/05/06)" "EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - LIMITE DE IDADE - CONCURSO PÚBLICO. A igualdade perante a lei é sem distinção de qualquer natureza (Constituição Federal, art. 5º), vedado ao Poder Público criar distinção entre brasileiro (art. 19, III), proibindo-se a diferença de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX c/c art. 39, § 2º). (RMS nº 1.086-RS, STJ, Primeira Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 09/03/06)" "EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDITAL DE CONCURSO QUE VEDOU AOS MAIORES DE TRINTA E CINCO ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE.- A partir da Carta Constitucional de 1988, inexiste qualquer limitação de idade para ingresso no serviço público, salvo aquelas constantes do texto constitucional. (REO nº 1802-PE, TRF 5ª Região, Primeira Turma, Rel. Juiz Francisco Falcão, DJ de 14/09/05)" A segunda corrente admitiu a fixação de limite de idade por lei, consoante a natureza das atividades do cargo, desde que a limitação fosse razoável e pertinente. Para essa corrente, a norma constitucional que proíbe a diferença de critério de admissão ao serviço público, por motivo de idade (art. 7º, XXX, c/c art. 39, § 2º, da CF), não se reveste de caráter absoluto, sendo legítima a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido. Trata-se de aplicação do princípio de razoabilidade. As leis que fixam os requisitos para o acesso ao serviço público poderão estabelecê-los com base na idade, vale dizer, idade mínima e máxima, para cargos que exijam, por exemplo, grande esforço físico. As nossas Cortes têm analisado o tema concernente à fixação legal do limite de idade para efeito de inscrição em concurso público e de preenchimento de cargos públicos, já tendo formado alguns parâmetros com suas decisões, tomadas em função e na perspectiva do critério da razoabilidade. Cite-se as seguintes decisões: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. TÉCNICO DO TESOURO NACIONAL. CF, art. 7º, XXX, art. 39, § 2º. I- Pode a lei, desde que o faça de modo razoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingresso em funções, empregos e cargos públicos. Interpretação harmônica dos artigos 7º, XXX, 39º, § 2º, 37, I, da Constituição Federal. II- O limite de idade, no caso, para inscrição em concurso público e ingresso na carreira de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, não se assenta em exigência etária ditada pela natureza das funções do cargo, dado que o edital excetua da discriminação os ocupantes de cargo ou emprego da Administração Federal Direta e Autarquias. A limitação, portanto, é ofensiva à Constituição, art. 7º, XXX, ex vi do art. 39, § 2º. (RE nº 177570-BA, STF, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28/02/05)" "EMENTA: Concurso público para o ingresso no Ministério Público estadual. Limite de idade para a inscrição no concurso. .............................. - O Plenário desta Corte firmou entendimento de que, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, XXX, e 39, § 2º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público. - Ora, no caso, essa vedação - que se aplica aos cargos a ser preenchidos pelos servidores públicos, inclusive em sentido amplo como o são os membros do Ministério Público -, dada a natureza das atribuições do cargo em causa, é de ser aplicada, porquanto não se afigura justificada a limitação de idade para o ingresso na carreira do Ministério Público. (RE nº 197847-MG, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 07/08/05)" "EMENTA: Recurso Extraordinário. Concurso público para a admissão a Curso de Formação de agente penitenciário. Admissibilidade da imposição de limite de idade para a inscrição em concurso público. - O Plenário desta Corte, ao julgar os recursos em mandado de segurança 21.033 e 21.046, firmou o entendimento de que, salvo nos casos em que a limitação de idade possa ser justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, não pode a lei, em face do disposto nos artigos 7º, XXX, e 39, § 2º, da Constituição Federal, impor limite de idade para a inscrição em concurso público. - No caso, dada a natureza das atribuições do cargo, é justificada a limitação de idade, tanto a mínima quanto a máxima, não se lhe aplicando, portanto, a vedação do artigo 7º, XXX, da Constituição Federal. (RE nº 176479-RS, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 05/09/05)" "EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ARQUITETO. LIMITE DE IDADE. LIMITAÇÃO POR LEI ORDINÁRIA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE RAZOABILIDADE NO CASO CONCRETO. AFRONTA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 7º, XXX, E 37, I). PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. I- A impetrante, por ter 44 anos de idade, foi impedida de inscrever-se em concurso público para o cargo de arquiteto: a Lei estadual n. 7.357/80 fixou como limite máximo a idade de 40 anos. II- À evidência, cabe à lei ordinária fixar, em princípio, os limites - mínimo e máximo - para a inscrição em cargo público. Essa limitação etária, todavia, deve-se lastrear numa certa razoabilidade de acordo com a exigência do serviço, sob pena de resvalar para um autêntico abusus legis, configurando discriminação pela idade, o que é defeso pela Constituição Federal (arts. 7º, XXX, e 37, I). No caso concreto, o cargo de arquiteto não exige grande esforço físico de seu ocupante. (RMS nº 2.341-RS, STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 20/02/05)" "EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO PÚBLICO. PROFESSOR (REGENTE DE CLASSE). LEI ESTADUAL QUE LIMITA RAZOAVELMENTE A IDADE MÁXIMA PARA A INSCRIÇÃO NO CONCURSO. CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. I- Por contar mais de 49 anos de idade, o impetrante foi impedido de inscrever-se em curso para professor da carreira do magistério público. O edital do concurso com base em lei estadual, limitava a idade do candidato a 45 anos completos. II- Não ofende a Constituição (art. 5º, caput, e art. 37, I) lei estadual que limita, de modo razoável, a idade para inscrição em concurso público para o magistério (regente de classe). Razoável foi a fixação do limite máximo em 45 anos. Do regente de classe se exige atividade e vigor físico. O inciso I do art. 37, por outro lado, fala em "requisitos estabelecidos em lei". (RMS nº 5.031-RS, STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 08/05/05)" A segunda corrente veio a prevalecer, tendo inclusive a nova redação do artigo 39, § 3º, da Lei Magna corroborado com tal entendido, no que acrescentou ao dispositivo a possibilidade de lei ordinária estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. A mesma polêmica observou-se com relação ao requisito do sexo. Em princípio, o sexo não pode ser fixado como requisito de acesso. Excetuadas estarão, entretanto, as situações funcionais que justificarem a escolha de um ou outro dos sexos. Seria o caso, por exemplo, de um concurso para guarda de presídio feminino, no qual seria inconcebível admitir-se candidatos do sexo masculino, ou então um concurso público para o provimento de cargos de monitor em estabelecimento de abrigo para menores do sexo masculino, no qual seria válido limitar-se o acesso às pessoas do sexo masculino. No entanto, será proibida a instituição de requisitos de sexo em casos que não tenham qualquer justificativa, em que as funções do cargo possam ser executadas normalmente por pessoas de qualquer dos sexos. Assim é a orientação do Superior Tribunal de Justiça no RMS nº 1.160-RJ: "A norma constitucional em vigor, induvidosamente, não discrimina o ingresso ao serviço público por origem, raça, sexo, cor ou idade. Mas, sem discriminação, pode o poder público adotar normas técnicas que lhe assegurem o melhor funcionamento. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro tem dois Quadros Oficiais: o masculino e o feminino, o que afasta, de início, qualquer propósito discriminatório contra o sexo feminino. No primeiro quadro há vagas, no segundo não, como dizem as informações. Se inexistem vagas no quadro feminino, porque seriam convocados candidatos de tal sexo, se impossibilitada estaria a nomeação por falta de vagas? Houvesse vaga no quadro feminino da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e obstada a inscrição da impetrante, aí sim haveria discriminação. Ademais, se a Polícia Militar tem dois quadros: o masculino e o feminino, criados e definidos por lei, inexiste a alegada inconstitucionalidade no ato da autoridade dita coatora de convocar candidatos para preencher vagas só existentes no quadro masculino. Não violado o princípio do artigo 7º, XXX, da Constituição atual, porque a impetrante não preenche os requisitos previstos na lei, já que esta criou os dois quadros e ela pretende integrar o quadro só reservado aos do sexo masculino, inexiste tratamento discriminatório ou desigual e o direito líquido e certo invocado. (RMS nº 1.160-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 08/03/05)" O Supremo Tribunal Federal não destoou desse entendimento: "EMENTA: CONCURSO PÚBLICO - CRITÉRIO DE ADMISSÃO - SEXO. A regra direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferença de critério de admissão considerado o sexo - artigo 5º, inciso I, e § 2º do artigo 39 da Carta Federal. A exceção corre à conta das hipóteses aceitáveis, tendo em vista a ordem sócio-constitucional. O concurso público para preenchimento de vagas existentes no Oficialato da Polícia Militar, no Quadro de Saúde - primeiro-tenente, médico e dentista - enquadra-se na regra constitucional, no que proíbe a distinção por motivo de sexo." "Singularidades permitem que a legislação distinga entre os sexos para ingresso nas fileiras das polícias militares. Todavia, isto não ocorre quando se cogita não do acesso ao Quadro de Oficiais Combatentes, mas de Oficiais de Saúde. No particular, a discriminação não passa pelo crivo da Constituição Federal. (RE nº 120305-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 08/09/06)" IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS: De todo o exposto, verificamos que ainda é comum a presença de requisitos polêmicos em editais de concursos públicos. Entre as cláusulas mais discutidas estão exigências de estado civil, sexo, idade, peso e altura, além de condições de saúde física e psicológica, além das limitações impostas à pessoas que, apresentem tatuagens, acnes ou cáries dentárias, entre outras; por outro lado, verificamos também que, hoje, são vários os exemplos de requisitos de acesso já amplamente discutidos e agora reconhecidos como ilegítimos e ilegais, sendo amplo o rol de hipóteses já consideradas inconstitucionais e irrazoáveis tanto pela doutrina como pela jurisprudência mais atualizadas. Da análise das decisões judiciais aqui comentadas podemos concluir que os requisitos de acesso devem ser estabelecidos em estrita observância à Lei e em relação de consideração com as funções a serem futuramente exercidas pelo servidor, sob pena de serem discriminatórios e violadores dos princípios da igualdade e da impessoalidade, sendo já consagrado o entendimento no sentido de combater a criação e/ou estabelecimento (seja pelo legislador, seja pelo administrador) de requisitos puramente discriminatórios ou que se materializem em exigências totalmente despidas de qualquer matiz de razoabilidade.

Um comentário:

  1. Parabéns...belo artigo...vc tem estudo similar quanto à situação contrário, ou seja, quais são os requisitos editalícios mais pacificados (como por exemplo atestado de capacidade técnica de que a contratada tem expertise em realizar determinado serviço)?

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